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12/04/2025

Projeto de Lei 2088/2023: autorização de contramedidas comerciais e de Propriedade Intelectual

O Projeto de Lei 2088/2023, que autoriza o Poder Executivo a adotar contramedidas comerciais, ambientais e relativas a direitos de propriedade intelectual (PI) contra países ou blocos econômicos que imponham restrições às exportações brasileiras. A proposta, de origem no Senado, segue agora para sanção presidencial, que deve ocorrer com celeridade diante da priorização dada pelo Palácio do Planalto.

É preciso entender o contexto geopolítico: a aprovação ocorre em um contexto de crescente adoção de políticas comerciais mais restritivas por parte de alguns países, intensificadas após o anúncio do então presidente dos EUA, Donald Trump, sobre a aplicação de uma tarifa de 10% às importações provenientes do Brasil, além de medidas similares envolvendo outros 58 países. As novas tarifas somam-se a restrições já existentes sobre produtos como aço, alumínio e automóveis, sendo aplicadas de forma não cumulativa. Em resposta, o governo brasileiro divulgou uma nota conjunta dos Ministérios da Indústria, Comércio e Serviços e das Relações Exteriores, indicando a possibilidade de adoção de medidas diplomáticas e, se necessário, ações no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC).

O projeto original também foi motivado por preocupações relacionadas à Lei Antidesmatamento da União Europeia, que estabelece exigências mais rígidas de rastreabilidade ambiental para a importação de produtos agropecuários. A legislação europeia, com vigência a partir de dezembro de 2025, impedirá a entrada de mercadorias oriundas de áreas desmatadas após 31 de dezembro de 2020. Estimativas indicam que até 34% das exportações brasileiras para o bloco europeu poderão ser impactadas, especialmente em setores como soja, carne bovina e café.

Entre os principais dispositivos do PL 2088/23 estão os mecanismos legais para adoção de contramedidas que incluem o aumento de tarifas de importação sobre produtos originários de países ou blocos que imponham barreiras ao Brasil; a suspensão de concessões comerciais ou de investimento; a suspensão ou limitação de obrigações relacionadas à propriedade intelectual; e o bloqueio ou limitação de remessa de royalties ao exterior, inclusive via aumento da Cide-Royalties (atualmente em 10%) ou da Condecine (11%), que financiam os setores de inovação e audiovisual, respectivamente.

Essas medidas poderão ser adotadas em casos de “ações, políticas ou práticas” incompatíveis com acordos comerciais multilaterais, como os da OMC. Vale lembrar que o Brasil não possui com os EUA um acordo comercial com tarifas diferenciadas, como ocorre entre EUA, México e Canadá.

Está prevista a realização de consultas públicas e técnicas para embasar a definição das contramedidas, com o objetivo de evitar impactos desproporcionais à economia brasileira.

Durante a votação, a equipe de Relações Governamentais do Di Blasi, Parente & Associados, de Brasília, esteve reunida com o relator para apresentar preocupações específicas sobre os impactos do texto na área de propriedade intelectual, em especial o risco de utilização da PI como instrumento de retaliação comercial, com potenciais consequências para setores estratégicos, como o farmacêutico e o de biotecnologia. A Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial (ABAPI), em conjunto com outras associações de grande representatividade para o setor, propôs uma emenda com o objetivo de conferir mais segurança jurídica e previsibilidade às contramedidas relacionadas aos direitos de propriedade intelectual.

A sugestão previa a limitação temporal de tais medidas a seis meses, critérios objetivos para sua adoção — como a existência de um único beneficiário local com capacidade produtiva comprovada (exploração local) — e mecanismos de revisão periódica a cada dois meses. No entanto, o texto final aprovado não incorporou essas salvaguardas específicas, mantendo uma redação mais ampla e aberta quanto ao uso da suspensão de obrigações relativas à PI, determinando que tais medidas sejam utilizadas em caráter excepcional e privilegie a proporcionalidade e a revisão periódica.

Faltam, então, critérios operacionais claros para sua aplicação para evitar incertezas regulatórias e impactos indiretos a setores estratégicos que dependem da previsibilidade no tratamento de ativos intangíveis.

Por: Gabriel di Blasi, sócio fundador do Di Blasi, Parente & Associados e presidente da Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial (ABAPI).