Entre setores e empresas.
A Reforma Tributária, aprovada pelo Congresso Nacional, muda dramaticamente as regras do jogo entre os setores e empresas de nossa economia. Enquanto a maioria das companhias está olhando indignada porque teremos a maior alíquota de IVA do mundo (28,5%), existe um mundo de implicações muito maior a ser analisado.
Os benefícios e isenções tributárias concedidos pelos governos federal, estadual e municipal, que hoje somam mais de R$ 803 bilhões por ano, findam em 2032 e serão substituídos por cerca de R$ 90 bilhões ao ano, através dos fundos previstos na Reforma: o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) e o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais (FCBF).
Em teoria, o poder público vai economizar dez vezes os valores atualmente concedidos às empresas. É fundamental entender a situação específica do seu setor e da sua empresa, pois exceções podem ser acomodadas. O fato é que cada negócio e empreendimento terá uma carga tributária específica, exigindo uma análise detalhada e de acordo com o DNA tributário.
Mesmo assim, é possível prever que a Reforma promoverá vencedores e perdedores entre as aproximadamente 21 milhões de empresas brasileiras. O perfil, a estrutura e a capacidade de adaptação dos negócios às novas regras poderão determinar o tamanho do impacto, tornando o panorama futuro tanto desafiador quanto promissor no setor empresarial.
O que está em jogo — Ao longo dos anos, muitas empresas se instalaram em cidades e estados específicos devido à conhecida “guerra fiscal” — disputa entre os diferentes territórios para atrair empresas por meio de incentivos e renúncias, muitas vezes, exagerados. Em 2032, com a implementação completa da Reforma, grandes fábricas, centros de distribuição e prestadores de serviços terão de fazer as contas se será viável permanecer onde estão, fechar as portas ou se mover para novas localidades. Nesse caso, estar próximo dos centros de consumo evitará os custos logísticos estratosféricos impostos por nossa precária infraestrutura.
Além disso, o tributo tem que ser pago no destino, e não na origem — imaginem, portanto, as implicações e lutas para manter esses incentivos por parte das empresas já beneficiadas e aqueles que pretendem investir em nosso país.
A briga entre os setores da economia também ganha destaque no texto aprovado da EC 132/2024; parece aquela brincadeira de crianças, o “rouba monte”. As empresas de serviços pagarão a conta e terão aumentos de até três vezes nos impostos indiretos quando comparado aos tributos atuais, enquanto a indústria e o comércio pagarão em média menos 40% de carga de indiretos.
Só nessa dinâmica é possível prever uma migração entre setores, porque a promessa de neutralidade parece não estar presente no texto aprovado. Penso que o raciocínio reforça um desequilíbrio: já que a indústria pagou a conta desde a Constituição de 1988, por que não fazer o segmento de serviços pagar dessa vez? Mais uma vez, um pensamento mesquinho. Se eu não posso ganhar, você tem que perder. É a Lei de Gerson, onde a única saída é tirar proveito da situação, mesmo que, para isso, seja necessário prejudicar o outro.
O governo tenta balancear essa questão utilizando a tecnologia dos documentos eletrônicos, dos sistemas de pagamentos e do split payment — que separa os tributos automaticamente no ato da compra e os envia ao governo para reduzir a inadimplência fiscal. A ideia é tributar corretamente o ilícito e a economia informal, que gira em torno de 40% da economia nacional.
Com o novo aparato digital, o governo espera arrecadar mais de R$ 1 trilhão. Essa é uma parte louvável de todos os esforços da EC 132. Se isso acontecer, as cansadas empresas pagadoras de tributos podem esperar uma redução no maior IVA do mundo. Vamos torcer para que o split payment saia das pranchetas secretas do governo.
Entretanto, um dos efeitos colaterais do split payment é que os tributos serão pagos antecipadamente pelos contribuintes, já no ato da compra e do pagamento. Isso significa que a parte “do leão” — o devido à Receita Federal — vai direto para os cofres públicos. No varejo, onde é comum oferecer pagamentos em até 10x sem juros, essa antecipação de impostos gera grande impacto no orçamento dos negócios. Estima-se que a necessidade adicional de capital para fazer girar o fluxo de caixa alcance R$ 300 bilhões. Será o fim do pagamento em parcelas sem juros?
Outra preocupação em relação ao split payment brasileiro é que ele não está pronto e requer um imenso investimento em sistemas, já que o tráfego na internet para confirmar pagamentos, créditos e débitos tributários será enorme. Dessa forma, o governo pretende disponibilizá-lo gradualmente. Do ponto de vista de sistemas e controles, tanto governos quanto empresas terão de investir milhares de reais em tecnologia; uma recente pesquisa da Omnitax aponta para cifras de até R$ 4 milhões entre as grandes companhias.
Na Reforma Tributária, destaco ainda a desoneração das cadeias produtivas e as alterações no sistema de crédito e débito de tributos — valores que as empresas têm a pagar ou a receber.
Atualmente, o sistema de créditos é complexo e gera insegurança jurídica, apesar de sua grande relevância. Um exemplo de sua importância: em 2022, empresas listadas na bolsa acumularam R$ 171 bilhões em créditos tributários, enquanto seus lucros somaram “apenas” R$ 120 bilhões. A reforma busca simplificar esse processo, mas há dúvidas sobre sua eficácia em reduzir a burocracia e os litígios.
Esses incentivos fiscais visam aumentar a competitividade, mas o sucesso dependerá da capacidade do governo e das empresas em monitorar o processo produtivo e garantir o recolhimento adequado de tributos. Nesse contexto, o crédito tributário se tornará um fator crucial para as empresas. Escolher fornecedores que maximizem esse crédito será fundamental para adaptar-se ao novo regime e minimizar impactos negativos, tornando-se, assim, um requisito para a sobrevivência na reforma.
Nove anos de adaptação e uma conta que vai sair cara — Não esqueçamos que as obrigações acessórias atuais continuam vigentes pelos próximos nove anos, o chamado período de transição; ou seja, todos terão de operar duas soluções e sistemas em paralelo. A grande discussão do momento é como contratar o dobro da equipe tributária e de TI para tamanha implementação.
Essas mudanças afetarão decisões de fabricação, de distribuição, de logística, preços de compra, preços de venda, as cadeias de fornecimento, fluxo de caixa e o futuro de muitos negócios no Brasil. Um desafio estratégico, que exige uma visão holística e abrangente, e representa uma excelente oportunidade para a criação de vantagens competitivas distintas e sólidas.
Uma coisa é certa, a Reforma pode representar um passo em direção à modernização do sistema tributário brasileiro, mas não está isenta de desafios. A adaptação ao novo regime exigirá muito mais do que simples ajustes técnicos — será necessária uma transformação nas estratégias empresariais, nos processos internos, e até mesmo na forma como enxergamos a relação entre governo, empresas e sociedade.
A verdadeira questão é: estamos preparados para navegar por essa transição sem perder o controle de nossas ambições econômicas? O futuro tributário do Brasil depende não apenas da vontade política, mas também da capacidade das empresas de se adaptar e aproveitar as oportunidades que surgem dessa mudança. A reforma pode ser um divisor de águas, mas sua implementação exigirá mais visão e resiliência do que nunca.
• Por: Paulo Zirnberger, CEO da Omnitax.