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04/02/2025

Protecionismo “a la” Trump

A posse do presidente Donald Trump foi marcada por discursos enfáticos e assinaturas de ordens executivas que sinalizam o tom do novo governo americano. A retórica é pautada por ampliar liderança americana como esteio da paz global, anexar novos territórios, fechar o cerco contra imigrantes, reduzir as regulamentações de natureza ambiental e endurecer as políticas comerciais.

Ainda é cedo para compreender todos os efeitos práticos dos atos anunciados. No entanto, é razoável antever potenciais impactos de algumas medidas, como na agenda ambiental e de comércio internacional.

Como no primeiro governo, Trump anunciou a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, o apoio incondicional à exploração de petróleo e gás, incentivos à mineração em terras indígenas, desincentivos a projetos de energia eólica, cancelamento de subsídios para energias renováveis, dentre outras medidas.

Na agenda de política comercial, Trump sinalizou retomar uma guerra tarifária contra certos países, propôs uma investigação para estabelecer métodos para projetar, construir e implementar um Serviço de Receita Externa para arrecadar tarifas, impostos e outras receitas relacionadas ao comércio exterior, revisar a participação dos Estados Unidos em acordos regionais de comércio, dentre uma série de outras medidas. A America First Trade Policy será o norte das mudanças em política comercial.

O componente crítico que justifica essas medidas é a garantia da segurança nacional, bem como a proteção dos empregos e da renda dos americanos. No contexto das relações e do direito internacional, segurança nacional é um argumento conveniente para justificar a adoção de medidas unilaterais que desviam de compromissos acordados no plano multilateral e geram, no comércio internacional, barreiras e restrições ao comércio.

A saída do 2º maior emissor de gases de efeito estufa (GEEs) do Acordo de Paris enfraquece ainda mais o multilateralismo climático, exatamente quando se discute como viabilizar financiamento para catalisar a adoção de ações climáticas que permitam alcançar a meta de 1.5°C do Acordo de Paris. Vale lembrar que, de acordo com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, a temperatura global já ultrapassou este limite.

O efeito Trump pode, ademais, estimular outros países a se retirar do Acordo, o que significará que as regras multilaterais concorrerão, cada vez mais, com medidas unilaterais que tenderão a preferir especialmente as energias fósseis em detrimento de um mix de fontes renováveis.

Formalmente, os Estados Unidos ainda serão Parte do Acordo de Paris na COP30, o que trará mais desafios para a presidência brasileira, comandada pelo experiente negociador, o embaixador André Correa do Lago. Nesse cenário, é válido apontar que o Baku-Belém Roadmap para a meta de financiamento de 1.3 trilhão de dólares será um tema essencial na COP30, especialmente quando se espera definir o papel dos bancos multilaterais, bancos privados e fundos de investimento. A saída de vários bancos e fundos de investimentos da Net zero Banking Alliance reforça o alerta sobre até que ponto o mercado financeiro está disposto a financiar ações climáticas e quais projetos serão considerados alinhados à pauta climática.

No entanto, é prudente apontar que a ambição de explorar mais petróleo e desacelerar a agenda de transição energética não significará que os Estados Unidos abandonarão as energias renováveis. Basta ver que o etanol de milho tenderá a ter imenso apoio do governo, incluindo seu uso para produzir combustível de aviação onde a pegada de carbono pode trazer atrativos benefícios para a indústria americana. Dados do Departamento de Energia dos Estados Unidos apontam que em 2023 as fontes renováveis representaram 21,4% da geração de eletricidade e tendem a continuar a ter um papel importante.

É preciso, ademais, considerar que Trump terá somente quatro anos de mandato, e nesse período a agenda climática continuará a evoluir, possivelmente a passos ainda mais lentos. Quando se fala em reforma da arquitetura de financiamento global, é razoável esperar que as discussões que terão um peso importante na COP30 tomarão mais tempo na agenda global.

Ainda, parece improvável que alguns setores da indústria americana simplesmente abandonem seus compromissos climáticos, seja pela competição no mercado internacional, seja pelo custo de captação de recursos para financiamento.

Vale considerar que a China pode aproveitar a ausência dos Estados Unidos no Acordo de Paris para ganhar capital político e fomentar a produção e exportação de produtos alinhados aos objetivos climáticos, afinal, a transição para uma economia de baixo carbono exige catalisar novos negócios e setores produtivos.

De toda forma, o multilateralismo climático tenderá a enfraquecer, tolhendo a ambição necessária para as metas do Acordo de Paris e fortalecendo medidas unilaterais que podem afetar o comércio. Trump não defenderá a pauta climática, mas poderá adotar medidas para restringir importações baseadas em objetivos ambientais.

As ameaças no campo de política comercial também ensejam preocupações relevantes. A exemplo do que aconteceu no primeiro governo, o aumento de tarifas para diversos países tenderá a ser um dos instrumentos adotados pelos Estados Unidos. Os anúncios ainda não foram formalizados, embora especule-se tarifas de 60% para produtos chineses, 20% para produtos do México e do Canadá e 10% para produtos de outros países.

O uso de tarifas pode desestimular a importação de certos produtos, mas não necessariamente fortalecer setores similares no mercado interno. Restringir a importação de químicos usados para produção de opioides tem um vínculo com segurança nacional, o que dificilmente se justificará para uma pauta mais ampla de importação.

A estratégia anunciada, no entanto, parece mais ampla, abrangendo as tarifas, a compreensão dos fatores relacionados a déficits comerciais, práticas desleais de comércio e de manipulação de moedas, dentre outros potenciais problemas.

Não é novidade que os Estados Unidos são agressivos em suas políticas comerciais, porém é essencial destacar que o aumento de tarifas pode ser justificado em casos específicos de práticas desleais e surtos repentinos de importação. No entanto, parece haver um oportunismo ancorado na justificativa de segurança nacional, que poderá menosprezar as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Vale lembrar que, no primeiro mandato de Trump, a OMC sofreu ataques contundentes, cujos efeitos são sentidos até hoje, como a paralisação do Órgão de Apelação. Hoje, um painel contra os Estados Unidos não teria efeitos práticos, visto que o país não aderiu ao Multi-Party Interim Appeal Arbitration Arrangement (MPIA).

O enfraquecimento da OMC serve como alerta para a agenda climática, na medida em que tornar as organizações multilaterais porosas e engessadas permite ações unilaterais moldadas a interesses muito seletivos.

No campo do comércio internacional, o Brasil pode enfrentar obstáculos com a nova administração Trump. Aço e alumínio podem ser mais facilmente prejudicados, mas a agricultura precisa estar atenta. Maiores tarifas para a China podem gerar pontuais oportunidades para produtos brasileiros como a soja, mas isso pode ser pontual, o que exige uma visão mais profunda e de longo prazo.

A abertura do mercado americano para a carne é recente e merece atenção. Na administração Biden, o Congresso trabalhou para aprovar uma lei que coíba a importação de produtos associados ao desmatamento ilegal. No fim de 2024 uma Ordem Executiva propondo um Policy Framework foi aprovada, e será importante acompanhar o que o novo governo fará com esse assunto.

A pressão para que o Brasil zere a tarifa de importação de etanol americano deve voltar com força, o que sugere que é preciso definir uma agenda estratégica de benefícios mútuos que permitam acordos de alto nível político. Em tempos de protecionismo exacerbado e seletivo, a atuação diplomática é ainda mais relevante para evitar impactos que prejudiquem a exportação de vários produtos que já acessam o mercado americano em uma parceria bilateral que tem história.

O novo governo Trump inaugura uma nova fase de protecionismo exacerbado. Nas agendas de clima e comércio internacional, minar o multilateralismo tenderá a ser a tônica americana, e isso exige estar preparado para anos turbulentos. A habilidade de conduzir a agenda climática como anfitrião da COP30 poderá reduzir impactos dos movimentos de Trump e, talvez, de alguns países aliados. Um desses desafios, certamente, será viabilizar um financiamento mais atrativo e barato para fontes renováveis, que tenderão a competir com um mercado de petróleo aquecido.

No comércio internacional, o Brasil terá pontuais oportunidades momentâneas, mas tenderá a enfrentar desafios para continuar a acessar o mercado americano, sob a justificativa de que os produtos brasileiros ameaçam a segurança nacional! Como ouvi em uma reunião com os americanos na OMC nos idos de 2006, liberar a importação de carne brasileira criaria impactos para os pecuaristas americanos sendo necessário avaliar esses impactos com muita cautela. Trump não parece precisar de justificativas baseadas em regras internacionais para defender certos interesses.

Por: Rodrigo C. A. Lima, sócio-diretor da Agroicone. Advogado, Doutor em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), possui 20 anos de experiência em comércio internacional, meio ambiente e desenvolvimento sustentável no setor agropecuário e de energias renováveis.