A primeira edição do G20 Social, realizada no Rio de Janeiro no final de novembro, marcou um momento histórico na cooperação internacional. Pela primeira vez, grupos da sociedade civil participaram de um espaço de discussão com diversidade de vozes, buscando caminhos para enfrentar os desafios globais contemporâneos. O evento, apoiado pelo Ibrachina e pelo Prolam-USP, foi uma oportunidade única para refletir sobre a integração e o desenvolvimento na América Latina, região de rica diversidade, mas marcada por desigualdades estruturais profundas.
Durante minha participação no painel sobre “Integração e Desenvolvimento na América Latina”, apresentei o tema “Cidades Inteligentes, Sustentáveis e Criativas: algumas experiências de Brasil e China”. Ressaltei que o desenvolvimento urbano é um pilar estratégico para reduzir desigualdades, promover a sustentabilidade e ampliar oportunidades econômicas. Brasil e China, apesar de suas diferenças, compartilham aprendizados valiosos sobre como transformar centros urbanos em motores de crescimento e inovação, oferecendo lições aplicáveis a contextos diversos na América Latina.
No entanto, ao discutirmos avanços e possibilidades, é imprescindível reconhecer as fragilidades que comprometem a integração regional. A América Latina enfrenta um cenário de desintegração econômica e fragmentação política, que dificulta a implementação de agendas multilaterais, como a Agenda 2030 da ONU. A ausência de mecanismos eficazes de governança e o enfraquecimento das instituições regionais agravam esse cenário, inviabilizando políticas integradas e de longo prazo. Crises políticas e econômicas em muitos países da região reforçam a urgência de repensar a cooperação regional.
Um ponto central debatido no G20 Social foi a relação entre desigualdades e governança. A América Latina é uma das regiões mais desiguais do mundo, e o combate à fome, à pobreza e às desigualdades deve ser prioridade absoluta. Experiências brasileiras como o Casa Verde e Amarela (antigo Minha Casa, Minha Vida), o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) mostram que é possível alinhar eficiência econômica e justiça social. No entanto, para que essas iniciativas tenham impacto duradouro, é necessário fortalecer os sistemas tributários, combater a evasão fiscal e garantir maior equidade na distribuição de recursos.
Outro tema relevante foi a questão das migrações e do refúgio na América Latina. Crises humanitárias que afetam milhões de pessoas demandam políticas de direitos humanos robustas e acolhedoras. Integrar migrantes e refugiados não é apenas um ato de solidariedade, mas também uma oportunidade de dinamizar economias e enriquecer o tecido social.
O evento contou ainda com contribuições de acadêmicos e especialistas. A professora Paloma Pitre, por exemplo, abordou o papel das organizações sociais na implementação da Agenda 2030, enquanto outros participantes discutiram justiça tributária e desafios socioambientais. Essa pluralidade de perspectivas é fundamental para enfrentar os problemas da região e construir soluções inovadoras e inclusivas.
Olhando para o futuro, a América Latina deve usar fóruns como o G20 para fortalecer seu papel no cenário global. Isso requer maior coordenação interna e alianças estratégicas com outras regiões e economias emergentes, como a China, que tem mostrado compromisso crescente com desenvolvimento sustentável e inovação tecnológica.
Brasil e China, apesar de suas diferenças, são países complementares em suas dimensões continentais e compartilham objetivos como o combate à pobreza e às desigualdades, além do compromisso com um mundo mais sustentável. Essa parceria pode moldar um futuro energético global mais justo, inclusivo e limpo.
O Brasil se destaca por sua matriz energética renovável, com quase 50% de fontes limpas, e uma matriz elétrica que supera 90% de renovabilidade. O país continua apostando em tecnologias inovadoras, como hidrogênio verde, etanol de segunda geração e combustíveis sustentáveis para aviação. Já a China lidera investimentos em energias limpas e exporta tecnologias essenciais para a transição energética, como baterias e insumos para a indústria solar.
A atuação de empresas chinesas em projetos de infraestrutura no Brasil reforça essa relação estratégica. Investimentos em transmissão de energia, geração solar fotovoltaica e mobilidade elétrica são exemplos de uma colaboração transformadora. Essa parceria não só impulsiona a transição para uma matriz energética mais limpa, mas também moderniza a infraestrutura brasileira, contribuindo para um futuro sustentável e eficiente.
Brasil e China, juntos, podem influenciar positivamente a agenda global, mobilizando outras nações a colaborar na construção de soluções diversificadas e inclusivas para os desafios da transição energética.
Além disso, tecnologias limpas, parcerias público-privadas e cidades inteligentes podem transformar a vida de milhões de pessoas. Para isso, governos da América Latina devem se comprometer com reformas estruturais, governança eficiente e inclusão social.
O G20 Social mostrou que a integração regional não é apenas um ideal, mas uma necessidade urgente. Transformar a riqueza cultural, natural e humana da América Latina em alicerces para um desenvolvimento sustentável e inclusivo é desafiador, mas possível. Cooperação é, afinal, a essência do progresso.
• Por: Thomas Law, Advogado, Doutor em Direito Comercial pela PUC-SP, presidente do Instituto SocioCultural Brasil China (Ibrachina) e do Instituto Brasileiro de Ciências Jurídicas (IBCJ) e fundador do Ibrawork, hub de Open Innovation especializado em Smart Cities.