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18/12/2024

O novo Bacen Jud: Uma espada de dois gumes na modernização financeira?

A modernização do Bacen Jud, sistema que conecta a Justiça, o Banco Central e as instituições bancárias, representa um salto significativo no âmbito das penhoras judiciais. Projetado para ir além das tradicionais contas correntes, o sistema agora mira também instrumentos financeiros menos convencionais, muitas vezes abrigados sob o guarda-chuva das fintechs. Embora essa evolução tenha como objetivo aprimorar os processos executivos, surge uma questão provocativa: será que esse novo alcance pode, inadvertidamente, desestabilizar o sistema secundário de crédito?

Particularmente preocupante é o impacto potencial sobre as contas escrow ou contas vinculadas, que funcionam como o alicerce de transações legítimas e de alto valor no ecossistema financeiro brasileiro. Os FIDCs (Fundos de Investimento em Direitos Creditórios) dependem dessas contas para realizar operações comissárias, movimentando diariamente bilhões de reais de forma lícita e estruturada, alcançando milhares de empresas que não possuem acesso aos comumente chamados “bancos de primeira linha”. Hoje os FIDCs são reconhecidamente o motor econômico das pequenas e médias empresas no país, exercendo um papel fundamental para que a economia continue funcionando.

Se o alcance ampliado do Bacen Jud incluir as contas Escrow (ou conta vinculadas), há um risco de desorganizar esse equilíbrio delicado. Ao bloquear recursos que estão legalmente comprometidos em obrigações contratuais específicas, o sistema pode, sem querer, desencadear uma reação em cadeia. FIDCs e suas contrapartes, impossibilitados de acessar os valores em escrow, podem enfrentar atrasos, disputas ou até mesmo inadimplências. Esse efeito cascata pode corroer a confiança no mercado secundário de crédito, levando a um colapso sistêmico. Ainda que o Judiciário venha a reconhecer a validade da conta Escrow por força da cessão e o direito do fundo sobre aquele valor, quem arcará com o custo do tempo do poder judiciário? E os custos de uma ação de embargos de terceiros, que envolve taxas elevadas e custos jurídicos?

A pergunta que fica é: como o Bacen Jud lidará com as contas escrow? Haverá salvaguardas para garantir que essas contas, fundamentais para a estabilidade das operações comissárias, permaneçam protegidas? Ou a modernização do Bacen Jud, ao buscar eficiência nas execuções judiciais, abrirá caminho para consequências imprevistas em um dos setores mais críticos do sistema financeiro brasileiro?

O equilíbrio entre inovação e mitigação de riscos está em jogo. É essencial que os reguladores avancem com cautela, garantindo que a busca por eficiência não comprometa a estabilidade financeira do país.

Por: Marcelo Naufel é advogado especialista em Direito Empresarial e sócio do ABN Advogados (Almendros, Batista e Naufel Advogados).