O Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), uma ferramenta essencial para a vigilância epidemiológica no Brasil, tem enfrentado diversas críticas em relação à sua eficácia na notificação de casos de intoxicação aguda e crônica por pesticidas. Embora seja um sistema destinado a compilar dados sobre agravos à saúde, sua ineficácia se torna evidente por vários fatores estruturais e operacionais.
A falta de treinamento adequado dos profissionais de saúde para reconhecer e notificar casos de intoxicação também contribui para a ineficácia do SINAN. Muitos médicos e enfermeiros não têm o conhecimento necessário para identificar sintomas de intoxicação por pesticidas, sobretudo em exposições crônicas, resultando na falha em associar as causas dos agravos aos produtos químicos. Outro ponto é a própria estrutura do SINAN, que depende de notificações manuais e fragmentadas, levando a atrasos e inconsistências na compilação de dados.
A falta de treinamento das equipes de saúde em regiões rurais para diferenciar entre uma exposição e uma intoxicação por pesticidas é, de fato, um fator importante que contribui para a imprecisão dos dados registrados no SINAN (Sistema de Informação de Agravos de Notificação). Essa deficiência no treinamento resulta em diagnósticos equivocados ou incompletos, subnotificação ou má classificação dos casos.
Muitos profissionais de saúde não estão capacitados para reconhecer os sinais específicos de intoxicação por pesticidas, faltando a diferenciação entre uma simples exposição (onde o trabalhador entra em contato com o pesticida) e uma intoxicação (onde há efeitos prejudiciais à saúde decorrentes da exposição) gera inconsistências nos dados reportados.
Esse contexto é crucial para demonstrar que os dados sobre intoxicação por pesticidas no SINAN podem estar subestimados ou não refletir adequadamente a realidade, comprometendo a análise epidemiológica e a elaboração de políticas públicas voltadas para a proteção da saúde dos trabalhadores rurais
A falta de treinamento adequado dos profissionais de saúde e a dificuldade em reconhecer exposições e intoxicações complicam a exatidão dos números reportados pelo SINAN. Assim, embora haja uma tendência de aumento nas notificações, ela pode não refletir a situação real.
Os casos de intoxicação por pesticidas podem ser classificados como agudos ou crônicos, dependendo da duração e intensidade da exposição e dos sintomas apresentados.
No Brasil, qualquer profissional de saúde pode e deve notificar casos de intoxicação por pesticidas ao SINAN, desde que identifique ou suspeite da ocorrência. Isso inclui: 1. Médicos — São os principais responsáveis pela avaliação, diagnóstico e notificação de casos de intoxicação. Eles têm o papel de reconhecer sintomas, investigar a causa da exposição e encaminhar as notificações.
2. Enfermeiros — Podem notificar casos quando identificam sinais de intoxicação durante consultas ou atendimentos de triagem e emergência. Eles também ajudam a monitorar os pacientes em casos suspeitos.
3. Farmacêuticos — Podem notificar casos quando identificam interações ou sintomas relacionados a intoxicações por pesticidas, especialmente se trabalham em unidades de saúde, postos de atendimento ou farmácias que recebem queixas de pacientes.
4. Técnicos de Enfermagem — Embora com atribuições mais limitadas, podem atuar na identificação inicial de sintomas e encaminhamento para profissionais com poder de notificação, auxiliando na triagem e coleta de informações importantes.
5. Outros Profissionais de Saúde (como assistentes sociais e agentes comunitários de saúde) — Podem identificar casos em visitas domiciliares e durante ações de campo, atuando na sensibilização e orientação para que pacientes busquem atendimento médico para notificação formal.
A notificação de casos de intoxicação por pesticidas é obrigatória e deve ser realizada por qualquer unidade de saúde pública ou privada que identifique o agravo. Essa responsabilidade compartilhada entre diversos profissionais de saúde é fundamental para a vigilância epidemiológica e para a elaboração de políticas públicas que protejam a saúde da população exposta a pesticidas.
A formação acadêmica de profissionais de saúde, como médicos, enfermeiros e farmacêuticos, pode incluir toxicologia em seu currículo, mas a profundidade do ensino sobre toxicologia de pesticidas varia amplamente entre cursos e instituições.
1. Medicina — Toxicologia costuma ser abordada em cursos de medicina, especialmente nas disciplinas de farmacologia, saúde pública e medicina preventiva. No entanto, o foco específico em pesticidas pode ser limitado e muitas vezes depende do currículo da instituição e da ênfase em saúde ocupacional e ambiental.
2. Enfermagem— A toxicologia pode fazer parte da disciplina de saúde ocupacional e enfermagem em saúde pública. No entanto, o conhecimento detalhado sobre pesticidas frequentemente não é um componente central do currículo e depende da abordagem de cada universidade.
3. Farmácia — Cursos de farmácia geralmente incluem disciplinas de toxicologia e análises toxicológicas, que podem abranger pesticidas. Profissionais farmacêuticos, portanto, podem ter mais contato com o tema comparado a outras áreas de saúde.
4. Outros Cursos Relacionados — Cursos como saúde ambiental e biomedicina podem incluir toxicologia como uma parte mais específica de seu currículo, mas novamente, a ênfase em pesticidas depende da universidade e do corpo docente.
Instituições Acadêmicas Notáveis no Brasil — Algumas universidades conhecidas por abordar aspectos de toxicologia, incluindo pesticidas, em seus currículos de saúde são:
Universidade de São Paulo (USP) — Tanto a Faculdade de Medicina quanto a Faculdade de Saúde Pública têm disciplinas voltadas para toxicologia e saúde ambiental.
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) — Oferece cursos de medicina e farmácia com enfoque em saúde pública e toxicologia.
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – Tem programas de saúde que abordam toxicologia em disciplinas de farmacologia e saúde pública.
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) — Inclui a disciplina de toxicologia em cursos de saúde e ciências biológicas.
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) — Conhecida por programas de pós-graduação e cursos de saúde pública com forte ênfase em toxicologia e saúde ambiental.
Apesar de a toxicologia ser parte do currículo de algumas instituições, o foco específico em pesticidas pode ser insuficiente para a formação de profissionais plenamente capacitados a lidar com as complexidades de intoxicações por esses produtos. Isso ressalta a importância de especializações e treinamentos adicionais para profissionais de saúde que atuam em regiões rurais ou em áreas com uso intensivo de pesticidas.
Há, de fato, uma lacuna relevante na formação dos profissionais de saúde em toxicologia de pesticidas, e isso pode contribuir para notificações equivocadas ou subnotificações. Embora cursos como medicina, enfermagem e farmácia incluam toxicologia em seus currículos, o ensino detalhado e específico sobre os efeitos de pesticidas muitas vezes não é aprofundado.
Essa falta de treinamento específico pode levar a uma dificuldade em reconhecer e diferenciar casos de exposição de casos de intoxicação. Além disso, a ausência de conhecimento aprofundado sobre os efeitos de pesticidas pode resultar em diagnósticos incorretos ou na falha em associar os sintomas à exposição, impactando a qualidade e precisão das notificações feitas ao SINAN.
Portanto, essa lacuna na formação acadêmica e a falta de treinamento contínuo sobre toxicologia de pesticidas são fatores que podem contribuir para uma estatística que não reflete adequadamente a realidade das intoxicações, afetando tanto o excesso de notificações equivocadas quanto a subnotificação.
Em 2023, o Brasil registrou um total de 703.729 notificações de casos de intoxicações exógenas, englobando todos os tipos, de acordo com dados coletados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e consolidados no DATASUS. No contexto de intoxicações por pesticidas, é comum que essas notificações incluam casos de intoxicação aguda, frequentemente resultantes de exposições acidentais ou ocupacionais.
O Sudeste do Brasil, tradicionalmente, apresenta o maior número de notificações, com cerca de 49,3% do total, seguido por outras regiões, como o Nordeste e o Sul. O perfil geral das intoxicações exógenas também destaca que medicamentos e pesticidas são responsáveis por uma parte significativa dos casos, embora o número exato de notificações específicas de pesticidas em 2023 não tenha sido detalhado em busca recente.
A formação acadêmica dos profissionais de saúde pode não incluir um foco suficiente em toxicologia específica de pesticidas, resultando em erros na definição dos casos.
Um estudo realizado em 38 municípios do Paraná destacou que os dados epidemiológicos disponíveis no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) apresentam deficiências significativas, dificultando a realização de análises precisas sobre a situação das intoxicações por pesticidas.
Estudos na área da saúde pública e vigilância sanitária têm evidenciado a necessidade de melhorar a capacitação dos profissionais envolvidos na notificação de intoxicações, a fim de garantir uma representação mais precisa dos casos e, consequentemente, embasar políticas públicas efetivas para proteção e promoção da saúde de populações expostas a pesticidas
A análise dos estudos apresentados confirma que há uma lacuna significativa na capacitação dos profissionais de saúde para diferenciar entre exposição e intoxicação por pesticidas, o que resulta em dados gerados pelo SINAN que podem não ser confiáveis
Esses fatores coletivamente indicam que os dados do SINAN, no que diz respeito às intoxicações por pesticidas, precisam ser interpretados com cautela, pois a falta de reconhecimento e notificação adequada dos casos pode resultar em um panorama equivocado do impacto real dos pesticidas na saúde das populações expostas.
• Por: Angelo Trapé , membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS).| CCAS — O Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS) é uma organização da Sociedade Civil, criada em 15 de abril de 2011, com domicilio, sede e foro no município de São Paulo-SP, com o objetivo precípuo de discutir temas relacionados à sustentabilidade da agricultura e se posicionar, de maneira clara, sobre o assunto. O CCAS é uma entidade privada, de natureza associativa, sem fins econômicos, pautando suas ações na imparcialidade, ética e transparência, sempre valorizando o conhecimento científico.
Os associados do CCAS são profissionais de diferentes formações e áreas de atuação, tanto na área pública quanto privada, que comungam o objetivo comum de pugnar pela sustentabilidade da agricultura brasileira. São profissionais que se destacam por suas atividades técnico-científicas e que se dispõem a apresentar fatos, lastreados em verdades científicas, para comprovar a sustentabilidade das atividades agrícolas.
A agricultura, por sua importância fundamental para o país e para cada cidadão, tem sua reputação e imagem em construção, alternando percepções positivas e negativas. É preciso que professores, pesquisadores e especialistas no tema apresentem e discutam suas teses, estudos e opiniões, para melhor informação da sociedade. Não podemos deixar de lembrar que a evolução da civilização só foi possível devido à agricultura. É importante que todo o conhecimento acumulado nas Universidades e Instituições de Pesquisa, assim como a larga experiência dos agricultores, seja colocado à disposição da população, para que a realidade da agricultura, em especial seu caráter de sustentabilidade, transpareça. | Website: http://agriculturasustentavel.org.br e, as redes sociais.