Parte da equipe do atual governo federal vem defendendo que a responsabilidade social deve prevalecer sobre a responsabilidade fiscal. O fim, dizem, é nobre o suficiente para justificar os meios. Que a causa é nobre ninguém discute. Mas a questão é escolher entre uma solução consistente versus atalhos que levam a retrocessos.
O caminho escolhido, de forte aumento de gastos, dificulta a busca do equilíbrio das contas públicas e traz desafios relevantes para o crescimento sustentado da economia. A começar pela necessidade de aumento da arrecadação para cobrir o incremento de despesas.
Nos últimos meses, as agências de avaliação de risco melhoraram o rating do Brasil de estável para positivo, principalmente em função de alguma melhora no crescimento da economia. Crescimento esse decorrente em grande parte das reformas que conseguimos aprovar nos últimos anos. Então melhoramos a nota do Brasil, o que é positivo, mas não o suficiente para deixarmos a categoria de investimento especulativo. E o principal aspecto apontado para não evoluirmos mais é a questão fiscal, os fundamentos frágeis de um equilíbrio das contas públicas. Consequências: menos estabilidade, juros maiores – que dificultam o equilíbrio das contas, menos investimentos, menos crescimento.
A rigidez do gasto, que gera o engessamento do orçamento público e, portanto, limita a capacidade de gerir as contas é o principal desafio e se deve basicamente a dois fatores: 1º – vinculação dos gastos de saúde e educação às receitas e, 2º – reajuste do piso previdenciário e benefícios sociais pelo salário mínimo. O primeiro cria uma armadilha: quanto mais se arrecada, para equilibrar as contas, mais o governo é obrigado a gastar. Turbinada pelo arcabouço fiscal, aprovado no último ano, que permite aumentar gastos acima da inflação, gerando um círculo vicioso e uma pressão constante por mais arrecadação. Lembrando que durante a vigência do Teto de Gastos não era permitido aumento real das despesas e, portanto, qualquer aumento de arrecadação melhorava as finanças públicas. E o segundo fator é a indexação de aposentadorias e outros benefícios ao salário mínimo, que neste governo voltou a ter correção real, equivalente ao crescimento do PIB de dois anos antes.
Além de aumentar o gasto, esse engessamento aumenta a ineficiência. A União é obrigada a dispender em educação 18% da arrecadação líquida dos impostos federais, e Estados e municípios 25% da sua arrecadação. Mesmo que as necessidades de recursos diminuam, o poder executivo é obrigado a inventar gastos e desestimulado a aumentar a eficiência, para evitar o risco de cometer crime de responsabilidade fiscal.
Essas vinculações geram desperdícios e reduzem a produtividade no país, até porque as necessidades e prioridades da sociedade tendem a mudar. Nos últimos 50 anos, os municípios brasileiros aumentaram a participação dos seus gastos com saúde de 5,7% para 25,5%, e com educação, de 14,8% para 26,8%, em grande parte por imposição legal. De outro lado, os investimentos em infraestrutura, necessários ao crescimento, caíram de 27,4% do total das despesas, para apenas 9,9%. Se pelo menos se juntarem as rubricas educação e saúde em uma conta só, poder-se-ia reduzir o percentual conjunto, liberando recursos para outras prioridades.
Por definição, a fórmula desse governo central para a busca do equilíbrio fiscal é pelo aumento de impostos e não pela redução do gasto, o que dificulta as coisas. Por mais que a arrecadação federal venha crescendo fortemente – as receitas líquidas cresceram quase 9% no primeiro quadrimestre do ano – as despesas cresceram ainda mais – 12,6% acima da inflação. O maior rombo está na previdência e o total dos dispêndios já ultrapassa os 20% do PIB. Os gastos tributários, que são perdas de arrecadação por regimes de tributação favorecidos, representam importante renúncia fiscal e devem ser enfrentados. Mas por mais que venham sendo criticados em Brasília, segundo o Tribunal de Contas da União, cresceram R$ 68 bilhões no ano de 2023, para R$ 519 bilhões. Então, mesmo com o forte aumento de arrecadação apoiado pelo Congresso, é pouco provável que as contas públicas caminhem para o prometido déficit zero.
Há que se reconhecer a manifesta preocupação da equipe econômica do governo com o crescimento das despesas e especialmente com as vinculações. Mas é uma força que tem se mostrado insuficiente para fazer o assunto evoluir na capital federal. Importante lembrar que os esforços que busquem aumentar a eficiência do gasto público são o único caminho para reduzir carga tributária e permitir a busca do equilíbrio fiscal em um nível mais baixo de arrecadação. Com fortes efeitos colaterais positivos: redução da taxa de juros, mais investimento, maior produtividade, mais crescimento, redução da dívida pública e da enorme conta de juros desta dívida, que ronda os R$ 750 bilhões ao ano. E também o melhor caminho para se construir um Estado forte, que apoie de forma consistente o desenvolvimento do país.
• Por: Carlos Rodolfo Schneider, empresário.