Restaurar e conservar a natureza, promover seu uso sustentável, valorizar as populações indígenas e comunidades locais e destravar fluxos financeiros para promover ações pela biodiversidade foram temas intensamente presentes na 16ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, que terminou em Cali, Colômbia, no fim da última semana.
Os rumores sobre de onde virão os USD 200 bilhões por ano até o fim desta década para promover a implementação do Marco Global de Biodiversidade deixam evidente que os recursos não serão apenas de doações de países desenvolvidos.
O debate sobre ampliar o aporte de recursos para financiamento será, ademais, o principal tema da 29ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) que ocorrerá em Baku, no Azerbaijão, em novembro de 2024. Fala-se em cifras que chegam a trilhões de dólares, o que exigirá definir princípios base para remodelar a arquitetura de financiamento global.
As conexões entre biodiversidade e mudanças climáticas estão no centro do multilateralismo. O mercado financeiro se integrou na agenda climática há alguns anos, e agora entra na pauta de biodiversidade com muito interesse. A sociedade civil, que tradicionalmente milita nessas agendas, ressalta de forma estridente a urgência de reverter os rumos que pautam o andar da humanidade. O setor privado, por sua vez, passa a perceber que está intrinsecamente envolvido nas ações necessárias para transformar as ameaças e desafios climáticos e de biodiversidade em externalidades positivas.
“Paz com a natureza” foi o lema da COP16. Discursos calorosos em prol da biodiversidade, apontando que a “destruição da natureza é uma crise existencial”, como dito pelo Secretário Geral das Nações Unidas, Antônio Guterres, e de “proteger a vida, a natureza e as pessoas”, como divulgado pelo jogador argentino Leonel Messi, salientaram a urgência de sair da fase dos discursos para ações efetivas.
Uma das mensagens que Cali permitiu apontar com bastante ênfase é que as soluções baseadas na natureza proporcionadas pelos países ricos em biodiversidade (e estoques de carbono), precisam entrar na pauta prioritária de financiamento global, muito além de doações.
O Brasil tem movimentado diversos atores em torno da Tropical Forest Finance Facility (TFFF), uma nova iniciativa financeira que propõe captarUSD 125 bilhões por meio de empréstimos de longo prazo concedidos por países desenvolvidos e entidades filantrópicas e, prioritariamente, capital de investidores institucionais e de varejo, que poderão comprar títulos de dívida emitidos pelo fundo.
Na UNFCCC, costuma-se tratar a conservação das florestas sob o acrônimo de REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação), onde parcos recursos de países desenvolvidos apoiam projetos em países como Brasil, Indonésia, Congo, Colômbia, dentre outros. Nas negociações de mercado de carbono no Acordo de Paris, há enormes restrições quanto a projetos florestais, o que sugere que a lógica de receber doações deve prevalecer, ao menos por enquanto.
No entanto, a tônica de receber pagamentos pela redução de desmatamento, nos moldes atuais, não permitirá alcançar os objetivos climáticos e de biodiversidade. Nem tampouco, criar de forma efetiva, uma economia da restauração que pode, na prática, se tornar uma alternativa fabulosa para gerar benefícios para toda a sociedade. Em Cali, o Brasil relançou o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), que tem a meta de restaurar 12 milhões de hectares até 2030, e que é uma política ambiciosa que poderá gerar diversos benefícios.
A COP16 e a COP30 na Amazônia colombiana e brasileira geram a oportunidade de fazer um chamado à ação global diante da necessidade de conservar e restaurar as florestas, e de gerar desenvolvimento para as pessoas que vivem na floresta, sob pena de todos pagarem pelos impactos que tenderão a crescer cada vez mais.
Outra mensagem central que emergiu da COP16 é que a conexão do setor privado com a biodiversidade é intrínseca. Sem integrar as empresas que usam os recursos naturais na implementação das metas de biodiversidade, não é razoável atingi-las somente com políticas que fomentam a conservação de vegetação nativa e áreas marinhas. Diversas empresas brasileiras, de vários setores, participaram da conferência porque passaram a entender que seus negócios dependem e podem impactar positivamente a biodiversidade.
A Taskforce on Nature-related Financial Disclosures (TNFD), iniciativa que criou um framework de reporte de impactos, riscos e dependências dos negócios quanto a biodiversidade, já conta com 502 empresas e instituições financeiras, que passarão a avaliar e reportar suas conexões com a biodiversidade. Deixar de reconhecer que esse movimento é um caminho sem volta parece menosprezar a realidade.
A integração do setor privado como ator central para contribuir com o Marco Global de Biodiversidade incita pontuar que há oportunidades catalíticas que precisam ser exploradas para gerar benefícios de biodiversidade e de clima.
A economia da restauração citada anteriormente é uma dessas ações. Promover a agricultura regenerativa, baseada narecuperação do solo, na adoção de tecnologias que permitam aumentar produtividade, aprimorar manejo, reduzir emissões e fomentar a adaptação dos sistemas produtivos é outra agenda que precisa evoluir, integrando ainda, a os sistemas agroflorestais e a agroecologia. Não existe um modelo a ser seguido, mas sim, aprimoramentos que precisam ser continuamente adotados.
Apesar das dissidências quanto ao mecanismo de repartição de benefícios pelo uso de sequências genéticas digitais, que ficaram evidentes em Cali, há consenso sobre o fato de que as empresas que usam sequências genéticas nos seus processos de inovação para gerar novos medicamentos, variedades de plantas, cosméticos, químicos, enzimas, dentre outros produtos, terão, em um futuro breve, que repartir benefícios que se voltarão para a implementação do Marco Global de Biodiversidade.
A 30ª Conferência das Partes da UNFCCC (COP30), em Belém, em 2025, usufruirá dos aprendizados de Cali e de Baku. A sensação de “déjá vu” que emerge em todas as COPs precisa ser substituída pelo sentimento de que há muito sendo construído e implementado pelos países e atores que adotam, na prática, ações climáticas e de biodiversidade.
Nessa linha, é facilmente perceptível que a tônica de Cali a Baku, e depois Belém, precisa criar meios para potencializar uma pauta de financiamento substancialmente ambiciosa e acessível. Sem isso, as futuras COPs continuarão a avaliar impactos e propor soluções que não possuem potencial de serem implementadas em escala. Se este for o caminho, o lema de até 2050 “viver em harmonia com a natureza”, aprovado como visão do Marco Global de Biodiversidade, será apenas uma utopia.
• Por: Rodrigo C. A. Lima, sócio-diretor da Agroicone. Advogado, Doutor em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), possui 20 anos de experiência em comércio internacional, meio ambiente e desenvolvimento sustentável no setor agropecuário e de energias renováveis.