Desde o início do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, o mundo enfrenta um dos períodos mais intensos de agitação geopolítica da história recente. A ascensão da China como superpotência global, em contraponto à hegemonia dos EUA, o aumento das tensões entre Israel e Irã no Oriente Médio, e a crescente aproximação entre Rússia e China são alguns dos principais temas que dominam a agenda diplomática e a economia global.
Como consequência, as empresas têm observado um aumento acelerado dos riscos nas cadeias de suprimentos internacionais em que operam. Esse rearranjo de forças traz instabilidades e conflitos que ameaçam parte significativa do sistema mundial de comércio e da atuação empresarial. Diante desse cenário, a Cúpula dos BRICS+ (grupo de países de economias emergentes formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que será realizada de 22 a 24 de outubro em Kazan, na Rússia, receberá análise crítica e minuciosa por parte de gestores e investidores de todo mundo.
O que está em jogo nesse evento, às margens do rio Volga, é a possibilidade de transformações significativas na estrutura financeira e econômica global, além de negociações diplomáticas que podem redefinir os principais conflitos atuais. Em primeiro lugar, há uma iniciativa liderada por China e Rússia para criar uma alternativa ao sistema monetário atual, estabelecido há 80 anos em Bretton Woods. A cúpula pode avançar em projetos como: criação de uma moeda internacional comum (moeda do BRICS+); plataforma para liquidações e pagamentos (BRICS Bridge); sistema de pagamento baseado em blockchain (BRICS Pay); depositário de liquidação (BRICS Clear); sistema de seguros; eagência de classificação de risco do BRICS+.
Qualquer um desses projetos tem o potencial de impactar significativamente o comércio e a economia global. Por isso, é fundamental que as empresas compreendam esses mecanismos e avaliem os efeitos sobre seus negócios. Por exemplo, a criação de uma moeda do BRICS+ pode alterar o comércio global, já que o dólar atualmente ocupa um papel central nas transações internacionais. A proposta visa reduzir a influência dos EUA sobre a economia dos países, o que transformaria a gestão financeira de muitas empresas que monitoram diariamente as variações cambiais em relação ao dólar.
Outro tema debatido no BRICS+, e especialmente relevante para o Brasil, é a criação de uma bolsa do bloco para negociação de grãos. O objetivo é aumentar o controle sobre essas commodities, hoje negociadas em grande volume na bolsa de Chicago. Dos cinco maiores produtores agrícolas do mundo, quatro integram o BRICS+ (China, Índia, Brasil e Rússia), sendo que a China é a maior importadora de soja global e o principal destino dos grãos brasileiros, em uma relação de interdependência que perdura há duas décadas.
Além disso, os países do BRICS+ devem discutir o destino dos dois principais conflitos atuais: o fim do embate entre Rússia e Ucrânia e uma potencial trégua da guerra de Israel na Faixa de Gaza, que recentemente envolveu diretamente o Irã, um dos novos membros do bloco. Nesse contexto, esforços diplomáticos liderados por Brasil, China e Índia podem abrir caminhos para saídas conciliatórias. Espera-se que o BRICS+ adote uma postura mais ativa e assertiva diante dessas crises, buscando soluções diplomáticas.
Diante desse cenário, as organizações precisam antecipar os crescentes riscos políticos em um mundo cada vez mais multipolar. Compreender o contexto em que operam e como ele pode impactar seus negócios é essencial para estabelecer uma estrutura eficaz de gestão de riscos políticos, capaz de mitigar ameaças e responder adequadamente às crises e às oportunidades geradas em um ambiente volátil e incerto.
Assim, é fundamental que as empresas definam com clareza seu apetite ao risco, dado o contexto em que atuam. Os gestores devem avaliar o horizonte temporal de seus investimentos para garantir que possam obter retornos satisfatórios, considerando o risco a que estão expostos. Além disso, é crucial mapear continuamente alternativas de investimento, permitindo flexibilidade e agilidade em eventuais mudanças de estratégia.
Outro aspecto essencial para a gestão de riscos políticos é a facilidade de saída dos mercados em que a empresa opera ou planeja operar. Os cenários de retirada precisam ser constantemente atualizados e precisos quanto às especificidades de cada operação. A visibilidade sobre os clientes também é um fator-chave, pois riscos políticos podem rapidamente se transformar em riscos reputacionais, comprometendo relações com clientes estratégicos.
Consequentemente, acompanhar de forma objetiva os resultados da Cúpula de Kazan do BRICS+ é essencial para uma compreensão profunda do cenário de riscos políticos. Gestores e investidores devem estar atentos aos desdobramentos desse evento, preparados não apenas para mitigar ameaças e responder a crises, mas também para aproveitar as oportunidades que o novo contexto global pode oferecer.
• Por: Bruno Vaz, consultor de Riscos & Auditoria Interna da Protiviti | A Protiviti é uma empresa global, com 85 escritórios em 25 países, e mais de 7.000 profissionais que atendem a 60% das empresas da Fortune 1000®. Reconhecida como Great Place To Work e com faturamento anual superior a USD 1,5 bilhão, atua por meio de uma rede de subsidiárias e firmas-membro independentes. No Brasil ela é representada pela ICTS, uma empresa brasileira de consultoria empresarial que combina a ampla experiência e serviços especializados em gestão de riscos, compliance, ESG, cybersecurity, privacidade, auditoria interna e investigação empresarial.
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