rodrigo-c-a-lima

12/10/2024

As múltiplas faces do desmatamento e a nova meta climática

Em 2025, o Brasil sediará a 30ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (COP30 da UNFCCC), o que trará a atenção do mundo para o país, em uma época de fim de estação seca, o mês de novembro.

Sediar uma reunião dessa magnitude na Amazônia abre oportunidades e ao mesmo tempo expõe potenciais fragilidades do país anfitrião. A COP30 será a primeira conferência da UNFCCC no coração da Amazônia, quando se comemora os 10 anos do Acordo de Paris, o primeiro ciclo de 5 anos da implementação das contribuições nacionalmente determinadas (NDC na sigla em inglês) e quando se conhecerá a ambição atualizada das metas para o período 2031-2035.

A COP30 será o momento de celebrar a floresta amazônica e seus povos, e de explorar outras soluções climáticas que o Brasil aporta para o desafio global de descarbonização e, de maneira mais ampla, avançar no desenvolvimento sustentável para toda sua população.

O Brasil pretende apresentar sua NDC atualizada já na COP29, em Baku, como forma de mostrar liderança do país na agenda climática. Em seu discurso na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas no dia 24 de setembro, o Presidente ressaltou que a NDC brasileira será alinhada a meta de 1.5°C.

O propósito deste artigo é explorar quais são os desafios para conter e tentar acabar com o desmatamento, principal ação climática para reduzir emissões de gases de efeito estufa (GEE) no Brasil.

Acabar com o desmatamento ilegal na Amazônia é a tônica da meta brasileira até 2030. Em 2012, a supressão de florestas na Amazônia chegou a menor patamar histórico, 4.571 km2, mas voltou a subir, chegando a 13.038 km2 em 2021. Isso fez com que a meta voluntária do Brasil até 2020 não fosse, verdadeiramente, atingida.

No ajuste da NDC apresentado em 2023, por uma questão metodológica, fez-se um compromisso com o desmatamento zero até 2030, indo além da lei, nos termos do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). Essa mensagem sugere que em 2030 não haverá mais nenhum tipo de desmatamento na Amazônia.

Como o Brasil apresentará sua NDC atualizada na COP29, vale questionar se pretende continuar contando com a redução de emissões de desmatamento nas metas climáticas de 2031 em diante, ou se os demais setores da economia – agropecuária, energia, processos industriais e tratamento de dejetos serão integralmente responsáveis pela nova meta brasileira?

A própria PPCDAM trata do enfoque de desmatamento ilegal zero e do desafio de reduzir a conversão legal. A tônica de que a agropecuária é a causa principal do desmatamento na Amazônia e, portanto, representa 75% das emissões de GEEs do país, somando as emissões de uso da terra e de agropecuária, representa uma visão míope e simplista sobre as causas do desmatamento e as ações necessárias para contê-lo.

Os dados da 5ª fase da PPCDAM, aprovada em 2024, evidenciam que, em 2022 o desmatamento na Amazônia ocorreu nas seguintes áreas: 28% nas glebas públicas não destinadas; 32% em áreas de assentamento da reforma agrária; 12% em Unidades de Conservaçã0; 2% em terras indígenas e 25% em áreas privadas ou sem informação. Isso sugere que há inúmeros problemas associados ao desmatamento, que exigem estratégias e soluções distintas.

De acordo com o mapeamento do Cadastro Nacional de Florestas Públicas de 2022, há 60,5 milhões de hectares de florestas em glebas públicas não destinadas na região Norte. Um levantamento feito pela Agroicone cruzando dados públicos, aponta que há aproximadamente 19 milhões de hectares de glebas não destinadas com Cadastro Ambiental Rural (CAR)! E que há desmatamentos recentes nessas áreas, que ultrapassam polígonos de mil hectares, o que sugere desmatamento ilegal que precisa ser coibido veementemente.

CAR não é documento legítimo para pleitear titularidade de terras, o que é sabido desde a aprovação do Código Florestal em 2012. Além de avaliar o CAR e transformá-lo em um instrumento de gestão das áreas privadas e assentamentos da reforma agrária, é crucial investir na regularização fundiária, que gera insegurança jurídica sob diversos aspectos. Tentativas de mudar regras para titular terras recentemente ocupadas e desmatadas, falta de recursos públicos e de cooperação entre atores públicos federais e estaduais, dentre outros fatores, criam espaço para infinitas ilegalidades.

A expectativa de “esquentar documentos” com base na posse de terras públicas invadidas é uma realidade que gera muito dinheiro ilegal, desmatamento, venda de madeira, luta por terras, pecuária informal, tráfico de drogas, dentre outros crimes.

A conversão de vegetação em assentamentos da reforma agrária é outro desafio peculiar. São vários motivos que geram desmatamento nessas áreas, e a incapacidade de fomentar assentamentos produtivos, lembrando que os dados oficiais apontam que existem 89 milhões de hectares de áreas de assentamento, gera diversos problemas, incluindo desmatamento.

Os dados do TerraClass mostram que existe 16,8 milhões de hectares de áreas com vegetação secundária, o que sugere que um dia essas áreas foram desmatadas e hoje voltaram a ser vegetação em estágio avançado de recuperação. Essa imensidão de terras ficaram a mercê da expectativa de que crimes não fossem cometidos! Felizmente hoje são áreas em estágio avançado de recuperação.

Dois estudos recentes jogam luz sobre a Amazônia de forma desconfortavelmente realista. O estudo “Dinâmicas do Ecossistema de Crimes Ambientais na Amazônia Legal”, lançado pelo Instituto Igarapé, em agosto de 2024, mostra que das 144 operações da Polícia Federal feitas em 2022, mineração ilegal representou 54,7%, desmatamento ilegal 38%, extração ilegal de madeira 24%, agropecuária com passivos ambientais 12% e grilagem de terras 11%. Muito além dos crimes investigados, o estudo sugere que é preciso entender a dinâmica entre as ilegalidades, envolvendo mineração, comércio ilegal de ouro, pecuária, tráfico de drogas, tráfico de armas, grilagem de terras, desmatamento ilegal.

A extração ilegal de madeira gera desmatamento, fomenta a geração de dinheiro com a venda da madeira, cria uma área de pastagem pelo ciclo natural da área convertida, que pode envolver a pecuária extrativista, de baixa produtividade e informal, e a posse “mansa e pacífica” da terra que gera a expectativa de venda em algum momento.

Além dos crimes ambientais, há outros crimes conexos, de corrupção, fraude, lavagem de dinheiro, associação ou organização criminosa, posse de armas, munições e explosivos, crimes violentos e tráficos de drogas e pessoas.

As terras indígenas são alvos desses crimes, conforme apontado pela Polícia Federal, tendo a exploração ilegal de madeira e a mineração como objetivos principais.

É crucial destacar que das 144 operações, 24 vinculam crimes ambientais ao tráfico de drogas. O estudo “Cartografias da Violência na Amazônia”, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Instituto Mãe Crioula, em 2023, reforça a conexão entre os crimes na Amazônia, e destaca a geografia das facções criminosas, especialmente na região de fronteira, que abrange 123 municípios. A apreensão de cocaína por policiais locais e pela Polícia Federal tem crescido ano a ano.

O estudo aponta que dos 772 municípios da Amazônia Legal, 178 possuem a presença de facções criminosas, sendo que em 80 há disputa territorial entre as facções. Nesses municípios vivem 58% da população amazônida.

Esses dados evidenciam que o objetivo de acabar com o desmatamento é multifacetado e mais complexo do que se parece. O Brasil precisa coordenar esforços para atacar essa teia de crimes que devassam a Amazônia, incluindo o desmatamento, que acaba sendo um estopim de vários crimes, visto que a madeira e a terra têm valor! A floresta em pé tem um valor perceptível, mas que reluta em se transformar em realidade.

Ampliar a coordenação interministerial, dentro da PPCDAM, naturalmente, mas além disso, como estratégia do estado brasileiro. Não parece razoável propor metas de eliminar desmatamento sem enfrentar a teia de ilegalidades e crimes, ambientais e outros, que geram desmatamento. Não é razoável pretender gerir uma imensa área como a Amazônia, sem que as políticas públicas sejam coordenadas e cooperem, em todas as esferas da gestão pública visando gerar desenvolvimento.

Mapear e enfrentar essa profunda rede de crimes na Amazônia exige uma ampla e dedicada cooperação. Menosprezar qualquer dos vetores que causam a derrubada das florestas implica em assumir, de antemão, que o anseio de eliminar o desmatamento não é factível. Isso sugere que o Brasil deve considerar a redução do desmatamento na sua nova meta climática e aproveitar a COP30, no centro da floresta, como momento para um chamado global de cooperação pelo desenvolvimento da Amazônia.

Por: Rodrigo C. A. Lima, sócio-diretor da Agroicone. Advogado, Doutor em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), possui 20 anos de experiência em comércio internacional, meio ambiente e desenvolvimento sustentável no setor agropecuário e de energias renováveis. | E-mail: [email protected] .