ricardo-martins

29/08/2024

Animais na pista e a responsabilidade das concessionárias

A decisão do STJ no Tema 1122, no sentido de que “as concessionárias e rodovias respondem independentemente da existência de culpa pelos danos oriundos e acidentes causados pela presença de animais domésticos nas pistas de rolamento aplicando-se as regras do Código de Defesa do Consumidor e da Lei de Concessões”, embora bem-intencionada ao proteger os direitos dos consumidores e usuários das rodovias, deve ser aplicada com uma visão equilibrada e prática.

As concessionárias desempenham um papel crucial na infraestrutura do país, e uma interpretação exagerada da responsabilidade objetiva pode comprometer sua viabilidade e eficiência. Argumentos baseados na razoabilidade, na imprevisibilidade dos eventos, na responsabilidade compartilhada e na mitigação dos impactos econômicos são essenciais para se buscar um equilíbrio justo entre a proteção dos consumidores e a sustentabilidade das concessões.

É essencial aprofundar os argumentos jurídicos e práticos que sustentam uma visão mais equilibrada da responsabilidade dessas empresas.

A decisão do STJ, ao impor uma responsabilidade objetiva às concessionárias por acidentes causados pela presença de animais domésticos nas pistas, pode ser vista como excessivamente onerosa e, em alguns aspectos, desconsiderar as complexidades operacionais e as realidades enfrentadas por essas empresas na administração de rodovias.

A responsabilidade objetiva, prevista no Código de Defesa do Consumidor (CDC) e aplicada no caso das concessionárias, deve ser interpretada à luz do princípio da razoabilidade. Esse princípio exige que a interpretação das normas jurídicas considere as circunstâncias fáticas e as condições concretas de cada caso. Argumenta-se que a imposição de uma responsabilidade sem a necessidade de comprovação de culpa, especialmente em situações onde o evento danoso é causado por fatores completamente fora do controle das concessionárias, pode violar o equilíbrio que deve existir entre a proteção dos consumidores e a viabilidade operacional das empresas concessionárias.

A presença de animais domésticos nas rodovias muitas vezes resulta de eventos imprevisíveis e de ações de terceiros, como o abandono de animais ou a invasão das pistas por animais de propriedades vizinhas. Esses eventos podem ser considerados como casos de força maior, que, conforme previsto no Código Civil, excluem a responsabilidade das partes quando o evento danoso é causado por circunstâncias inevitáveis e alheias ao controle da parte responsável.

Ao administrar uma rodovia, as concessionárias implementam diversas medidas preventivas, como cercas, sinalização e monitoramento constante. No entanto, mesmo com essas medidas, a entrada de animais pode ocorrer de forma imprevisível, e exigir que as concessionárias respondam por danos nesses casos pode ser questionável. A responsabilidade deve ser mitigada quando comprovado que todos os meios razoáveis de prevenção foram adotados.

A responsabilidade pela presença de animais nas rodovias não deve ser atribuída exclusivamente às concessionárias. Há um dever de cooperação entre os diferentes entes envolvidos, incluindo os proprietários dos animais e as autoridades públicas.

O poder público, em especial, tem a responsabilidade de regular e fiscalizar o manejo de animais domésticos, além de promover políticas públicas que visem à prevenção do abandono e ao controle de animais soltos.

A responsabilidade das concessionárias poderia ser compartilhada ou, ao menos, mitigada, levando em consideração a atuação dos proprietários de animais e a falta de fiscalização ou políticas públicas adequadas. A tese jurídica, nesse aspecto, é da responsabilidade concorrente, onde a obrigação de indenizar seria proporcional à contribuição de cada parte para o evento danoso.

Um argumento crucial na defesa das concessionárias é o impacto econômico que a imposição de uma responsabilidade objetiva irrestrita pode causar. Concessionárias de rodovias, muitas vezes, administram longas extensões de estrada, onde a presença de animais pode ser um risco constante e difícil de controlar. A obrigação de indenizar em todos os casos pode levar a um aumento exponencial dos custos operacionais, que, inevitavelmente, seriam repassados ao consumidor final na forma de aumentos tarifários, ou demandariam renegociações de contratos de concessão.

A responsabilidade poderia ser limitada a casos onde se comprove a negligência ou omissão da concessionária, ou que seja estabelecido um limite para a responsabilidade financeira em tais casos. Essa limitação seria uma forma de garantir a sustentabilidade financeira das concessões, evitando que as concessionárias sejam excessivamente penalizadas por eventos sobre os quais têm pouco ou nenhum controle.

Existem precedentes jurisprudenciais onde a responsabilidade objetiva foi mitigada ou limitada em casos análogos, especialmente aqueles envolvendo eventos de força maior ou atos de terceiros. O STJ, em outras ocasiões, reconheceu a necessidade de limitar a responsabilidade em face de eventos imprevisíveis e inevitáveis. É preciso reforçar a argumentação de que a decisão sobre o Tema 1122 deve ser aplicada com cautela e dentro de limites razoáveis, a fim de evitar a injustiça e o desequilíbrio no tratamento das concessionárias.

Por fim, podem ser adotadas medidas proativas que mitiguem os riscos, como o estabelecimento de um fundo de indenização específico para acidentes causados por animais, financiado por diferentes partes interessadas, incluindo o poder público.

Essa medida permitiria que os usuários das rodovias fossem compensados de maneira justa sem que a concessionária fosse sobrecarregada financeiramente. Além disso, poderiam ser propostas melhorias na legislação, com a introdução de critérios mais claros para a aplicação da responsabilidade objetiva em casos de acidentes causados por fatores externos e imprevisíveis.

Por: Ricardo Martins Motta, sócio responsável pela Área de Relacionamento com o Mercado do escritório Viseu Advogados. Advogado especialista em Direito do Consumidor; Membro do Comitê de Relações de Consumo do Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional (IBRAC).