bady-curi

26/03/2024

A nova prisão preventiva de Mauro Cid

No auge da operação Lava-Jato, passou a ter mais ênfase o Instituto de Direito Penal denominado “Delação Premiada”, que perfaz em um acordo entre o Estado Acusador/Investigador e o Acusado, homologado pelo Poder Judiciário, na qual o Delator recebe um benefício (diminuição da pena, cumprimento em regime semiaberto, extinção e até mesmo o perdão judicial) por aceitar a colaborar efetivamente com as investigações, confessando seu delito, indicando terceiros envolvidos, sem o qual restaria impossível o deslinde e a desarticulação dos crimes ocorridos.

O jurista alemão Rudolfh Von Iheringm, no ano de 1853, já tinha esboçado a necessidade desse Instituto ao escrever que “Um dia, os juristas vão ocupar-se do direito premial. E farão isso quando, pressionados pelas necessidades práticas, conseguirem introduzir a matéria premial dentro do direito, isto é, fora da mera faculdade ou arbítrio. Delimitando-o com regras precisas, nem tanto no interesse do aspirante ao prêmio, mas sobretudo no interesse superior da coletividade.”

Na época da operação Lava-Jato, demonstrei minha preocupação com o excesso de prisões preventivas, que somente eram relaxadas, praticamente, mediante o acordo de Delação Premiada. Esta atitude, a meu ver, feria o princípio da liberalidade e da autonomia de vontade do acusado, como se o Estado Juiz utilizasse da prisão preventiva em uma espécie de tortura moderna, ferindo a dignidade humana para desvendar um crime.

Não se pode olvidar que na regra Constitucional ninguém pode ser considerado culpado até que a sentença penal condenatória transite em julgado, sendo a prisão preventiva uma exceção, utilizadas em casos extremos, quando inexiste medidas cautelares diversas que possam substituí-las.

Digo isto sem nenhuma paixão política partidária, eis que critiquei o excesso de preventivas quando as investigações eram contra pessoas ligadas à esquerda e ao Presidente Lula, e repito, agora, quando as investigações estão voltadas às pessoas ligadas a Direita e ao ex-Presidente Bolsonaro.

O então Ministro Marco Aurélio, com suas falas transcritas em artigo no Consultor Jurídico (Conjur), manifestou-se a respeito do tema: “Acima de tudo, a delação tem que ser um ato espontâneo. Não cabe prender uma pessoa para fragilizá-la para obter a delação. A colaboração, na busca da verdade real, deve ser espontânea, uma colaboração daquele que cometeu um crime e se arrependeu dele”. (https://www.conjur.com.br/2016-ago-12/delacao-premiada-ato-covardia-afirma-ministro-marco-aurelio/)

Já dizia a canção de Zé Ramalho “Que nas torturas toda carne se trai…”. Ora, sob tortura ou preso, o indivíduo, para ver resguardado ou retomado o maior valor da vida, a liberdade, confessa o que entende necessário para sua soltura, pouco importando se está dizendo a verdade real ou o que as autoridades pretendem ouvir.

O Tenente Coronel Mauro Cid foi preso, novamente, por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), após ter realizado uma Delação Premiada e ter ficado preso, preventivamente, por vários meses. A prisão, ao que tudo indica, se deu pelo vazamento de um áudio de sua autoria, publicado em uma revista de grande circulação.

O Tenente Coronel relata, em seu áudio, a respeito da Delação Premiada: “Eles já estão com a narrativa pronta. Eles não queriam saber a verdade, eles queriam só que eu confirmasse a narrativa dele. É isso que eles queriam, e toda vez eles falavam ‘olha, a sua colaboração tá muito boa’. Ele até falou, ‘vacina, por exemplo, você vai ser indiciado por nove tentativas de falsificação de vacina, vai ser indiciado por associação criminosa’, e mais um termo lá. Ele disse assim: ‘só essa brincadeira vai ser trinta anos pra você”. E teceu críticas ao Ministro Relator do Inquérito no STF, dizendo que “O Alexandre de Moraes é a lei. Ele prende, ele solta, quando ele quiser, como ele quiser. Com Ministério Público, sem Ministério Público, com acusação, sem acusação.”(www.gazetadopovo.com.br/republica/mauro-cid-relata-pressao-da-pf-por-delacao-e-critica-moraes-em-audios-diz-revista/)

Apesar de não ser criminalista e não conhecer os autos do inquérito, me causa uma certa perplexidade a prisão do Tenente Coronel; a uma, porque, se houve falsas declarações na Delação Premiada, acarreta-se, como consequência, a rescisão do acordo e não a prisão preventiva; a duas, porque, se realmente foi ameaçado pelas autoridades policiais, deve haver uma investigação sobre abuso de poder.

Volto a dizer o que havia dito na época da operação Lava-Jato: a prisão preventiva não poder ser meio de fragilizar o ser humano para obtenção de provas através de Delação Premiada.

Segundo o ex-Ministro Marco Aurelio, “O conjunto de normas revela que a regra é o acusado — até então simples acusado, ante o princípio constitucional da não culpabilidade — responder solto, sendo exceção a prisão preventiva, também apontada como processual. Todo e qualquer preceito que encerre exceção deve ser interpretado de forma estrita. É o que nele se contém, não havendo campo para a criatividade.” (https://www.conjur.com.br/2020-out-21/marco-aurelio-mello-prisao-preventiva-justicamento/)

Inverter a ordem do Processo Penal (apurar a conduta delitiva, oferecer denúncia, selado a culpa, com trânsito em julgado da decisão condenatória e, somente aí, ser decretada a prisão), além de ser um retrocesso, é uma ofensa ao Princípio da Presunção de Inocência.

Tenho dito!!!

. Por: Bady Curi Neto, advogado fundador do Escritório Bady Curi Advocacia Empresarial, ex-juiz do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG) e professor universitário.