Como reduzir uma lacuna que alcança 60%, em média global, e mais de 80%, na América Latina, em perdas econômicas causadas por danos climáticos?
Tentar responder questões como esta foi o foco do painel Insurance Global Trends (Tendências Globais de Seguros) da FIDES Rio 2023, mediado pela jornalista Raquel Balarin, do InfoMoney.
O painel também procurou dar respostas aos desafios da indústria de seguros em termos de gap de proteção — englobando severidade dos danos climáticos — e aos impactos da transição demográfica e seus efeitos na saúde (como gastos maiores) e nos regimes previdenciários.
Entre as possíveis soluções levantadas durante o painel, estão: o investimento em tecnologia, principalmente para uso de dados com Inteligência Artificial; A diversificação e maior customização de produtos; A necessidade de educação financeira, para fazer o mercado de seguros ser mais bem entendido por maiores parcelas da população mundial.
Confira alguns dos pontos altos discutidos durante os painéis do economista André Medici e das empresas Munich Re, IRB, Aon Benfield e da Bradesco Seguros: .Munich Re — O gap de proteção é bem elevado em países de baixa renda, como os da América Latina, cuja taxa de desproteção pode superar 80%, de acordo com Clarisse Kopff, integrante do Conselho de Administração da Munich Re (Alemanha).
De acordo com Kopff, pelo lado da demanda, o gap tem a ver com educação financeira, um certo preconceito psicológico de não querer pensar em coisas ruins que podem acontecer no futuro e uma desconfiança com o arcabouço regulatório, de que ele não será suficiente para garantir o pagamento quando houver necessidade.
A executiva considera necessário divulgar, desde as escolas e entre as mídias sociais, o valor que os seguros têm para as pessoas e a sociedade.
Pelo lado da oferta, custos operacionais elevados, dificuldade de venda e custo da distribuição são alguns dos fatores que influem também nas vendas limitadas de seguros.
—Tudo pode ser segurado? Provavelmente, não— disse a conselheira da Munich Re, citando o atentado ao World Trade Center em 2001. Ela considera que todas as partes devem ajudar a diminuir o gap. —Seguradoras podem ajudar melhorando seus processos para reduzir os preços ou estender a cobertura para um mesmo preço—afirmou Clarisse Kopff citou também que ajuda ter instituições estáveis e que há iniciativas de governos como o da Índia, que dá subsídio para seguros. Ela também disse que é preciso ousadia para entrar em áreas como ciberespaço, que a Munich Re passou a cobrir recentemente como também entrou na área de agro, “que as pessoas não queriam entrar por causa da mudança climática — entramos para tentar fechar esse gap de proteção— afirmou.
. IRB —O vice-presidente executivo do IRB (Re), Daniel Castillo, concordou que o gap de proteção por grandes catástrofes naturais é enorme, tornando uma prioridade ampliar a participação do mercado segurador global, ao conscientizar pessoas, empresas e governos sobre a importância dos seguros para mitigar perdas financeiras.
Castillo citou vários desastres naturais recentes, como o ciclone tropical que atingiu o Rio Grande do Sul, as enchentes na Líbia, o terremoto no Marrocos; o incêndio florestal do Havaí — apenas para demonstrar o poder cada vez mais devastador desses eventos climáticos.
—Não há dúvida nenhuma de que a frequência (desses desastres) está aumentando em todo o mundo, inclusive em toda a América Latina —afirmou. —De qualquer forma, mudança climática não é um problema só do setor de seguros, já é um problema de toda a humanidade— acrescentou.
O executivo do IRB ressaltou que as economias globais não estão preparadas para a mudança climática que está acontecendo. —Governança social e ambiental devem ser consideradas— afirmou. —Seguros têm papel fundamental na mitigação dessas mudanças climáticas— declarou. —Cabe a nós criarmos produtos e serviços que mitiguem essas mudanças climáticas e conscientizar a todos da relevância dos seguros—.
. Aon Benfield —Para o presidente de Soluções de Resseguro da Aon Benfield (Reino Unido), Jeremy Goodman, o gap de proteção vai aumentar com as mudanças climáticas.
Goodman observou que o Brasil é uma das economias que correm enormes riscos com a severidade dos danos climáticos. Nesse sentido, lembrou que a agricultura, que representa 5% de PIB, e mineração, são dois setores econômicos ameaçados pela mudança climática.
De acordo com o executivo, inclusão, inovação e sustentabilidade são fundamentais nessa equação para mitigar os riscos climáticos. Ele fez questão de ressaltar a importância diversidade, inclusão, igualdade na busca de soluções inovadoras
Goodman observou também o crescimento dos ativos intangíveis, como os de Alphabet (a holding do Google) e Meta (holding de Instagram e Facebook, entre outros) — que, disse, atualmente representam 85% do índice S&P 500. —Nosso movimento não está mudando de tangível para intangível. Nosso setor não está evoluindo nesse sentido—afirmou sobre o setor de seguros. —Nosso setor precisa se desenvolver usando Inteligência Artificial e usando talentos para criar essa ponte para fechar esses gaps de proteção—.
Ele comentou que o setor tem grande quantidade de dados coletados por décadas e disse que poderiam ser feitos modelos preditivos com eles, e esses modelos poderiam ser compartilhados com governos —para ajudar a entender onde catástrofes naturais são riscos para sociedade—.
. André Medici —O economista André Medici, ex-consultor do Banco Mundial, defendeu a análise de dados como elemento inclusivo Medici deu ênfase às tendências de longevidade e saúde e sugeriu que mais seguradoras incentivem comportamento saudável do segurado, reduzindo o valor dos prêmios por isso, o que já é feito. —Cada vez mais com inteligência artificial, pode ter uma customização muito maior de produtos —disse. —Isso precisa ter colaboração dos reguladores para acontecer—.
André Medici comentou que a América Latina está com a população envelhecendo, mas isso está acontecendo enquanto a população ainda é pobre, ao contrário do que ocorreu na Europa e nos Estados Unidos, quando o fenômeno demográfico ocorreu quando já eram desenvolvidos.
Para ele, a educação financeira é fundamental e o gap de proteção é também um gap cultura Medici também lembrou da covid-19 e falou do risco de novas doenças de alcance global como ela. —Novas pandemias virão com mudanças climáticas, isso tem que ser pensando—.
. Bradesco Seguros —A observação de Medici chamou a atenção do diretor-presidente do Bradesco Seguros, Ivan Luiz Gontijo Junior. —Este é um tema novo, ainda não tinha ouvido. Ninguém pode esperar pandemia. Não há atuário que possa prever como, quando e em quais condições (vai aparecer) —reconheceu Gontijo.
Para Gontijo Junior, há desafios e também oportunidades para o setor nessa era de incertezas. Principalmente no Brasil e na América Latina, tendo em vista o nível de subpenetração muito grande do seguro.
—É preciso aliar seguro à proteção. No dia em que tiver em mente o conceito do seguro atrelado ao conceito de proteção, os canais de seguros serão bem mais fáceis—. Para ele, as seguradoras devem ter mais criatividade, não só em termos de coberturas, mas também na oferta de serviços diferenciados de assistência.
O executivo assinala que os canais de distribuição, dotados de novas tecnologias, estão aptos a fazer a oferta “no momento mágico, leia-se quando o cliente está aberto para ser abordado e conhecer novos produtos, mas essa “oferta combinada” ainda é vista, erroneamente, como venda casada.
Gontijo Junior também destacou a importância da sustentabilidade das empresas para dar segurança ao segurado de que ele vai ter o produto quando precisar. Defendeu o maior uso de tecnologia, inclusive Inteligência Artificial, para atender às necessidades do consumidor de forma ainda mais assertiva. —A tecnologia é fundamental, a inovação é necessária, mas são um meio. O fim são as pessoas —finalizou.