Com perplexidade, li matéria jornalística dando conta de uma proposta que estaria defendendo um modelo de reorganização da Advocacia, para restringir a atuação dos colegas mais jovens perante os Tribunais.
Nessa estranha proposta, ao invés do colega (devidamente aprovado no Exame de Ordem) poder praticar todo e qualquer ato privativo de advogado (como é atualmente), o jovem colega teria que vencer etapas e só com a experiência e conhecimento suficientes poderia, ao final, ser autorizado a atuar junto aos tribunais estaduais de segunda instância e especialmente junto aos tribunais superiores, no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF).
Esta proposta, data venia, é completamente equivocada para o Brasil e para os advogados brasileiros. É verdade que em alguns países isso realmente ocorre, todavia, em modelos diferentes do nosso, vale dizer, em sistemas distintos e culturas estranhas, que não se aproximam da nossa.
No Brasil, o bacharel em Ciências Jurídicas, ao se formar, não pode advogar. Tem ele que submeter-se a uma avaliação sobre o seu conhecimento e ser aprovado, o chamado Exame de Ordem, que surgiu em razão do rebaixamento da qualidade do ensino jurídico em nossas faculdades de Direito.
Hoje, o Exame de Ordem, além de necessário, é uma exigência legal, aplicado nacionalmente, que realiza uma avaliação sobre os conhecimentos básicos, para que o bacharel possa advogar e ter em suas mãos os valores maiores do cidadão: a sua honra, o seu patrimônio e a sua liberdade, vale dizer, a vida do cidadão estará em suas mãos, independentemente do tempo de formado.
Assim, atualmente, uma vez aprovado no Exame de Ordem, o colega poderá advogar em todo o território nacional, em todas as instâncias e perante todos os tribunais, inclusive os superiores, sem nenhuma restrição. Essa é a regra legal hoje, e creio a mais adequada ao país.
Não é possível desconhecer que mesmo aqueles que são aprovados no Exame de Ordem, com o tempo, desatualizam-se, não estudam o necessário e, por causa disso, vão sendo, naturalmente, alijados do mercado de trabalho, em uma seleção natural que favorece os mais estudiosos, os mais esforçados e os mais capacitados tecnicamente. Isto não tem nada a ver com o tempo de formado, nem com a idade, ou com as chamadas “horas de voo”.
Por esse motivo, estranhei tal proposta e a rejeito in limine, pois em meus 40 anos de ininterrupto exercício profissional como advogado, como professor de Direito e também como presidente de nossa OAB/SP por três vezes (2004 a 2012), conheci milhares de colegas de todo o Brasil, de modo que a relação que se pretende estabelecer para, equivocadamente, se concluir que os mais novatos estariam menos preparados é absolutamente falsa.
Ao meu modo de ver, as condições para o exercício profissional dependem de alguns aspectos. Vejamos: sob o aspecto da técnica, esta é estabelecida pelo estudo incessante, diário, persistente e evolutivo. Já sob o aspecto da experiência, o tempo colabora, mas não é determinante nem absoluto, pois um novato pode “beber” da experiência de um veterano que lhe transfere experiência atemporal. Sob o aspecto do tempo de formado, visto de modo absoluto, este em nada determina a qualidade e capacitação profissional do advogado e sob o aspecto humanista, a sua formação na graduação consolida tal qualidade.
Só por estas razões, a proposta apresentada na matéria que li, está completamente equivocada, além de se correr o risco de uma elitização da profissão, não por méritos ou por capacidade, mas tão somente pelo tempo de formado, excluindo os jovens, os novatos, por mais talentosos que sejam.
Nos tempos atuais, a advocacia sofre agruras antigas somadas a novos desafios que não se verificavam no passado, sem falar da questão da inteligência artificial, que traz um imprevisível risco a nossa atividade profissional.
Tenho convicção de que nosso esforço, nosso foco e nosso empenho devem ter por alvo, não os nossos colegas, mas os nossos detratores, que, diariamente, nos desrespeitam e violam nossas prerrogativas profissionais, mutilando a cidadania.
Não podemos admitir uma subliminar classificação de advogados, dividindo-os como “sub-advogados”, “meio advogados” ou “quase advogados”, tampouco “advogados veteranos” ou “advogados completos”, pelo seu tempo de formado.
Assim repudio esta pretendida divisão de nossa classe, mesmo que para atuar com escalonamentos no exercício da advocacia, pois isto nos enfraquece e nos dispersa, afastando-nos das cortes judiciais, revivendo, dessa forma, os tempos de Napoleão Bonaparte que, por entender que os advogados na França eram um estorvo, propôs cortar suas línguas.
Nós, colegas brasileiros somos Todos advogados e advogadas, apaixonados pela Advocacia, sedentos de Justiça e temos de nos fortalecer cada vez mais, aperfeiçoando nossa profissão, o que só conseguiremos com a nossa União, jamais com a nossa divisão.
. Por: Prof. Dr. Luiz Flávio Borges D’Urso, Advogado Criminalista, Presidente da Academia Brasileira de Direito Criminal (Abdcrim), Presidente de Honra da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim), Mestre e Doutor em Direito Penal pela USP, foi Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção de São Paulo (OAB/SP) por três gestões (2004 a 2012)