luis-eduardo-belarmino

25/07/2023

Gol contra a discriminação

Banalização do racismo em partidas de futebol na América do Sul.

Em 2022, a CNN requisitou um estudo ao Observatório Racial do Futebol, o qual revelou que o futebol sul-americano teve um aumento significativo nos casos de injúria racial. Esses dados fazem referência as duas competições organizadas pela Conmebol, como a Libertadores e a Sul-Americana.

Um dado importante é que todos os episódios de discriminação tiveram os brasileiros como alvo.

Ao longo de décadas, o futebol tem sido palco de lamentáveis episódios de preconceito racial. Desde os tempos da expansão portuguesa, as distinções raciais foram utilizadas para promover a ideia de superioridade do branco sobre o negro. No entanto, nos primeiros anos do novo milênio, observamos uma gradual contenção desses incidentes racistas, em grande parte devido à ampla cobertura midiática (mesmo que por vezes sensacionalista) e ao estabelecimento de medidas para controlar o comportamento dos atletas em suas respectivas modalidades esportivas.

Valente[1] em sua obra literária ser negro discorre que o racismo é um problema mundial, mas geralmente no Brasil é tratado como se existisse apenas fora do país. Na verdade, esse faz-de-conta parece bastante cômodo. O duro é admitir que o racismo também está presente entre nós, brasileiros, e que o negro é uma das vítimas prediletas. E não são poucos aqueles que, neste país, negam a existência do racismo. Negativa que, ao servir de camuflagem, reproduz uma situação de fato.

É inquestionável que o racismo no esporte, de uma forma geral, tem se manifestado de maneira preocupante e brutal. Especificamente no futebol, é evidente que o racismo precisa ser combatido em todas as frentes e em todos os setores. Infelizmente, observamos torcedores realizando atos como arremessar bananas no campo, imitar macacos e exibir faixas com mensagens discriminatórias, apenas para citar alguns exemplos chocantes da barbárie que ocorre nos estádios. É urgente e imprescindível que sejam tomadas medidas rigorosas para erradicar esse comportamento prejudicial e promover um ambiente esportivo mais inclusivo e respeitoso para todos.

Na contemporaneidade, a Justiça Desportiva desempenha um papel fundamental como entidade responsável por lidar com casos de racismo no futebol e em outros esportes, mesmo considerando a existência de ampla legislação no Brasil que condena tal prática, que infelizmente persiste com mais frequência do que se imagina em nossa sociedade. Em conformidade com o que foi apurado pelo Observatório de Discriminação Racial no Futebol, a justiça desportiva não faz distinção entre injúria racial e racismo, tratando ambos como violações graves. Para isso, o Art. 243-G é um dispositivo específico que aborda a prática discriminatória e serve como instrumento para punir aqueles que promovem o racismo nos eventos esportivos, contribuindo para combater e prevenir essas condutas repreensíveis.

Em 15 de fevereiro de 2023, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) tomou uma importante medida ao anunciar uma mudança no Regulamento Geral de Competições. Essa mudança incluiu a possibilidade de punição com perda de pontos para clubes ou equipes envolvidos em atos discriminatórios nos jogos. Essa decisão mostra o compromisso da entidade em combater o racismo no esporte e envia um claro sinal de que condutas discriminatórias não serão toleradas e terão consequências severas para os responsáveis. Essa medida pode ser um passo significativo para promover um ambiente esportivo mais inclusivo e respeitoso para todos os envolvidos no futebol brasileiro.

Digno de nota que o Código da Fifa, determina que: a discriminação de qualquer tipo contra um país, uma pessoa ou grupos de pessoas por causa da raça, cor da pele, etnia, origem social, gênero, língua, religião, opinião política ou qualquer outra opinião, saúde, local de nascimento ou qualquer estatuto, orientação sexual ou qualquer outra razão é estritamente proibida e passível de punição por suspensão ou expulsão (FIFA, 2022).

Em 9 de maio de 2022, o Conselho da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) promoveu modificações no artigo 17º do Código Disciplinar, intensificando as punições para comportamentos discriminatórios, abrangendo as seguintes medidas:

– Qualquer jogador ou funcionário que insulte ou atente contra a dignidade humana de outra pessoa ou grupo de pessoas, por qualquer meio, por motivos de pele, raça, sexo ou orientação sexual, etnia, idioma, credo ou origem será suspenso por um mínimo de cinco jogos ou por um período mínimo de dois meses.

– Qualquer Associação Membro ou clube cujos apoiadores insultem ou atentem contra a dignidade humana de outra pessoa ou grupo de pessoas, por qualquer meio, por motivos de cor de pele, raça, sexo ou orientação sexual, etnia, idioma, credo ou origem, será multado em pelo menos cem mil dólares americanos (USD 100.000). O órgão judicial competente poderá também impor a sanção de disputar um ou mais jogos com portões fechados ou o bloqueio parcial do estádio.

– Se as circunstâncias particulares de um caso a exigirem, o Órgão Judicial competente poderá impor sanções adicionais à Associação Membro ou ao clube, jogador ou funcionário responsável (Conmebol, 2022).

Anteriormente, a pena era uma multa máxima de 30 mil dólares americanos e não incluía a possibilidade de jogos com portões fechados. Esta alteração entrou em vigor no mesmo dia de sua emissão e é aplicável a atos racistas cometidos após essa data.

Essa alteração entrou em vigor imediatamente no dia de sua emissão e se aplica a atos racistas cometidos após essa data. Agora, além da multa, a possibilidade de jogos com portões fechados foi incluída como medida adicional para coibir atos discriminatórios no futebol sob a jurisdição da Conmebol.

Porém, as condutas inadequadas ainda persistem a cada partida dessas competições. O caso mais recente que ganhou destaque envolveu o preparador físico do Universitário, clube que enfrentou o Corinthians na fase de repescagem da Sul-Americana. O indivíduo imitou um gesto racista de macaco em direção aos torcedores adversários. Por consequência, ele foi detido pela polícia.

Mesmo comprovado a conduta, o Universitário entrou com uma faixa escrita: “Estamos contigo Sebastian”. Nas redes sociais, o clube peruano escreveu: “Força, profe”.

Os casos não são devidamente enfrentados pelos países sul-americanos, uma vez que as punições aplicadas se restringem apenas a multas impostas aos clubes, em vez de medidas mais enérgicas como a exclusão da equipe do campeonato e punições diretas à torcida envolvida. Essas práticas criminosas só diminuiriam significativamente se houvesse uma abordagem mais rigorosa.

Além disso, o problema é agravado pelo fato de o clube Universitário possuir uma torcida identificadas como “Los Nazis” e que ostentam uma suástica em suas camisas, o que é altamente preocupante e inaceitável. Essas atitudes racistas e a defesa de tais comportamentos por parte do clube tornam a situação ainda mais grave e intolerável.

É essencial que as autoridades e entidades responsáveis pelo futebol na região tomem medidas sérias e imediatas para erradicar esse tipo de comportamento, garantindo a segurança e o respeito em todas as partidas e estádios. Ações educativas, penas mais severas e a colaboração de todos os envolvidos no esporte são fundamentais para que haja uma mudança real e significativa nesse cenário lamentável.

. Por: Luis Eduardo Belarmino. advogado. Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Bauru da Instituição Toledo de Ensino. Especialista em Direito Desportivo pela Universidade do Minho. Com Aperfeiçoamento em Direito Desportivo pelo Instituto de Direito Contemporâneo. Pós-graduando em Direito Penal e Processo Penal. Membro Efetivo Regional da Comissão Especial do Acadêmico e Acadêmica de Direito da OAB/SP). Diretor Crimes Contra a Ordem Econômica da Comissão Estadual dos Acadêmicos de Direito e Estágio Profissional de São Paulo- CADEP/SP. Autor da obra “Lavagem de dinheiro no Futebol”. Coautor em mais de duas obras jurídicas. Palestrante. E-mail: [email protected] | [1] Valente, A. L. E. F. Ser Negro no Brasil Hoje. São Paulo: Moderna, 1994