A virtualização de audiências foi de fato incorporada pelo Poder Judiciário em razão da emergência sanitária causada pela covid-19. Hoje, o formato está consolidado e caracterizado como prática geral.
Para os advogados mais antigos, ainda existe a lembrança dos autos judiciais montados em cadernos impressos, assinados e numerados manualmente, inclusive, a depender do número de páginas, com a separação em volumes e anexação por meio daqueles colchetes latonados ou grampos plásticos. Esse saudoso – para os mais nostálgicos – formato foi eliminado com o advento da Lei 11.419/2006, cujo objetivo foi melhorar a entrega da prestação jurisdicional através de implementação do processo eletrônico, garantindo efetivamente o cumprimento de princípios basilares, tais como o da Razoável Duração do processo*.
À época, essa enorme mudança aboliu muitos atos mecânicos e, de fato, trouxe mais celeridade, bem como melhorou o acesso aos autos, já que para consultar o processo basta logar no sistema do respectivo tribunal. Evidente, foram alterações graduais, que demandaram períodos de estudos e adaptação, a fim de que fossem – como de fato são – realmente benéficas a todos os envolvidos e não trouxessem quaisquer prejuízos aos jurisdicionados e seus patronos.
Seguindo essa evolução, em 2015 o Código de Processo Civil trouxe ainda mais dispositivos relacionados à prática de atos de forma virtual, dos quais podem-se destacar o artigo 236, § 3º, que admite a prática de atos processuais por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real; o artigo 334, § 7º, que autoriza a realização da audiência de conciliação e de mediação por meio eletrônico; o artigo 367 e §§ 5º e 6º que dispõe sobre a possibilidade de gravação das audiências, inclusive pelas próprias partes; e o artigo 385, § 3º, que trata do depoimento pessoal por meio eletrônico.
Não obstante a normatização expressa no CPC, foi somente com a real e emergencial necessidade que as audiências e depoimentos pessoais passaram a ser realizados, unicamente, de forma remota através do uso da tecnologia. A terrível e tensa época pandêmica impôs a necessidade de adaptação imediata para a continuidade das atividades essenciais da maneira que fosse possível. Isso forçou uma resposta maior e mais rápida para modernização de muitos setores, inclusive do Poder Judiciário.
A emergência trouxe, como dito, a virtualização das audiências que ainda eram realizadas, quase que exclusivamente, de forma presencial. Inclusive, foi somente em 2020, através da Lei 13.994/2020, que foi incluído o § 2º no art. 22 da Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/1995), prevendo a realização de audiência pelo meio virtual.
Hoje, esse formato é consolidado e prática geral. Inclusive, se tornou o meio preferencial de realização dos atos tanto pelas partes, quanto por seus patronos e pelo Judiciário.
Dentre as vantagens que podem ser destacadas com a realização das audiências virtualmente, pode-se trazer algumas: a eliminação da distância, o que também auxilia no cumprimento dos Princípios do Acesso à Justiça e da Celeridade Processual; a economia de tempo e recursos financeiros de todos os envolvidos no processo; e a possibilidade de gravar o ato e manter o registro inserido no caderno processual, servindo de consulta posterior e livre para partes e magistrado, auxiliando em teses e fundamentação de decisões.
Ou seja, os benefícios com a virtualização das audiências são inúmeros e essa é a razão pela qual não se vislumbra mais a possibilidade de o Judiciário retomar – exclusivamente – sua realização na modalidade presencial. Isso seria, por óbvio, considerado um retrocesso.
Contudo, não são somente pontos positivos que podem ser extraídos das audiências virtuais, ao passo que há questões que poderiam ser mais rápida, direta e objetivamente resolvidas e compreendidas com a realização do ato na forma presencial, auxiliando tanto as partes, quanto o magistrado na melhor condução do processo. Alguns exemplos: dificuldade de percepção de detalhes por parte dos advogados e julgador, quando da realização de depoimentos mais sensíveis e cuja análise da linguagem corporal como um todo faria diferença caso fosse presencialmente; a obrigatória necessidade de uso de aparelhos eletrônicos o que, por vezes, gera dificuldades para alguns usuários; e a necessidade de acesso à Internet com conectividade estável, o que, caso não ocorra, pode gerar cortes em momentos cruciais dos depoimentos, atrapalhando tanto a percepção imediata, quanto a análise de todo o contexto posteriormente.
Ou seja, é fato que a realidade atual do Judiciário é a virtualização do máximo de atos possíveis, porém, uma vez que não se trata de norma impositiva, é evidente que para essa definição sempre se deve prezar pela melhor opção (ato virtual ou presencial) considerando as partes envolvidas, a região do território nacional (com maior ou menor conectividade), a sensibilidade do tema sub judice e demais questões relevantes para o desenrolar de cada caso concreto, o que deve ser definido através do comum entendimento de todos os integrantes da tríade processual.
Referência: * Art. 5º LXXVIII da Constituição Federal: “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”
• Por: Anelise Valente, advogada no escritório Rücker Curi Advocacia e Consultoria Jurídica.