Em novembro deste ano o Brasil vai organizar em Belém (PA) a Cop30 – 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (Conferência das Partes). No evento, estarão presentes importantes líderes políticos, cientistas, ativistas de ongs e representantes da sociedade civil de todo o mundo. O objetivo principal é discutir medidas para responder os desafios das mudanças climáticas, que têm perturbado bastante o cotidiano do planeta.
As empresas de saneamento, inclusive as brasileiras, poderão contribuir bastante num dos temas centrais que serão debatidos, a ‘Adaptação às Mudanças Climáticas’. O setor tem um papel substancial neste item para ajudar a reduzir fenômenos como secas, tempestades, inundações, ondas de calor e até a elevação do nível do mar. Todos implicam diretamente na disponibilidade e a qualidade da água, e também nos fluxos dos fluidos das redes de esgoto e sistemas de drenagem.
No processo da ‘Adaptação às Mudanças Climáticas’, que vai em busca de reduzir os danos causados pelo clima, proteger o meio ambiente e as pessoas, e apoiar medidas que contribuam para a adaptação, está a prioridade por fontes de energia limpa e renováveis (como a solar, eólica e biomassa), redução do consumo de combustíveis fósseis, como o petróleo e a gasolina, além de racionalizar o dispêndio da energia em uso. A engenharia sanitária terá ainda que projetar as estações de tratamento com maior proteção contra inundações e usar tecnologias mais ‘verdes’ e inovadoras.
Esse tópico da Cop30 é tão importante que o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou a Lei 14.904, de 2024, que apresenta diretrizes para a elaboração de planos de ‘Adaptação às Mudanças Climáticas’. A nova legislação, conforme a Agência de Notícias do Senado, procura reduzir a vulnerabilidade e a exposição a riscos dos sistemas ambiental, social, econômico e de infraestrutura diante dos efeitos adversos das mudanças climáticas. A norma legal define diretrizes para a criação de planos de adaptação, baseando-se na Política Nacional sobre Mudança do Clima. Nessas diretrizes principais do preceito legal estão aspectos como a gestão e a redução do risco climático; a integração de estratégias de mitigação e adaptação; e o estabelecimento de instrumentos de políticas públicas que assegurem a viabilidade dessas adaptações.
O setor de saneamento pode contribuir muito neste novo momento, como, por exemplo, na modernização de redes de esgoto e drenagem para suportar eventos climáticos extremos. Tem a possibilidade de dar suporte nas estruturas verdes, como as wetlands, que são áreas úmidas naturais ou construídas que tratam efluentes e abrigam diversas espécies de vida. No caso dos wetlands construídos, eles utilizam sistemas de engenharia que tratam efluentes domésticos e industriais.
São conhecidos também como alagados construídos ou filtros plantados com macrófitas aquáticas, aquelas plantas aquáticas que vivem em brejos e ambientes aquáticos. A tecnologia simula processos naturais que ocorrem em zonas úmidas naturais. São utilizados também para tratar esgotos sanitários. Para evitar enchentes, nas estruturas verdes os pavimentos permeáveis deverão ser empregados com mais intensidade.
Em lagos e mananciais as algas e outras espécies de vegetação aquática podem se tornar pragas. Nesse caso quando a água, contendo esses vegetais, é captada e direcionada para as estações de tratamento torna o processo de tratamento mais complicado. Se não houver tratamento com soluções sustentáveis para o controle dessa vegetação daninha, podem causar problemas como entupimentos nos filtros, sedimentações inadequadas, tempo de tratamento mais longos, altos níveis de matéria orgânica reativa, índice de pH instável e o nível de oxigênio dissolvido indesejado.
O uso de produtos biotecnológicos para o tratamento de esgoto será muito bem acolhido neste novo momento de atenção com desequilíbrio ambiental do planeta. Os chamados bio aceleradores são produtos desenvolvidos quimicamente para criar e manter um equilíbrio bacteriano nos reatores, ou seja, naqueles equipamentos que tratam a matéria orgânica presente nos efluentes. O composto estimula a atividade microbiana e acelera a decomposição da matéria orgânica, com a ação de um conjunto de nutrientes para as bactérias que estão naquele ecossistema aquático, convertendo rapidamente os resíduos em gás e água sem cheiro.
Um aspecto muito importante da indústria de saneamento será o monitoramento e pronta resposta nos sistemas de água e esgoto. Para tanto será necessário o sensoriamento remoto mais avançado, inclusive onde for possível, com uso da inteligência artificial para prever os riscos climáticos e fazer de forma mais eficaz a gestão de crises hídricas.
Além disso, na distribuição, no monitoramento de pressão e vazão da água, ao usar sensores e IA para acompanhar e ajustar processos em tempo real, haverá uma expressiva redução de perdas. Quanto menos vazamentos houver também, menos desperdício ocorrerá no bombeamento e gasto de energia. Isso também significa mais equilíbrio ambiental.
Para antecipar os diversos impactos de secas e enchentes, e também planejar ações para prevenção, a ‘modelagem hidrológica’ será essencial. É uma técnica que simula o comportamento da água num sistema hídrico. Ela prevê a resposta do sistema em diferentes condições climáticas e em ambientes distintos. Os ‘modelos hidrológicos’ são usados para simular escoamentos, prever alterações na qualidade da água e antever o impacto de mudanças no uso da terra. A metodologia emprega procedimentos complexos e um sistema com base em equações que utilizam variáveis e parâmetros exatos.
Os novos projetos na gestão de recursos hídricos deverão contemplar mais a captação e armazenamento de águas pluviais para abastecimento alternativo. Será considerada com maior atenção também a implementação de soluções para reuso de água a fim de reduzir a dependência de fontes naturais.
Cada vez mais será preciso nas operações das estações de tratamento o emprego de energias renováveis como, por exemplo, a energia solar e o biogás. Por sinal, nos próximos anos, o tratamento de efluentes deve aproveitar progressivamente a geração do biogás, para diminuir o consumo de combustíveis fósseis.
E complementando, todo o lodo produzido no tratamento de esgoto também pode ser digerido anaerobicamente para produzir biogás, o qual pode ser usado para gerar eletricidade ou calor. Além do mais, esse mesmo lodo com o devido processamento também se torna um proveitoso fertilizante. A partir da reutilização de efluentes tratados apropriadamente não será preciso captar e bombear água de outras fontes hídricas. Essa racionalização contribuirá bastante com a ‘Adaptação às Mudanças Climáticas’.
Tanto a purificação da água como o tratamento do esgoto exigem uma grande quantidade de energia, portanto, ao tornar esses procedimentos mais eficazes, as emissões serão diminuídas proporcionalmente. Sendo assim, a instalação de fontes renováveis para abastecer estações de tratamento como painéis solares e turbinas eólicas vai ser muito benéfica para o equilíbrio do ambiente.
No que diz respeito à redução de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), os reatores (anaeróbios) reduzirão a necessidade de aeração, e isso diminuirá o consumo de energia e proporcionará a geração de biogás. No tratamento ainda, a tecnologia desenvolvida para produzir o gás metano, em vez de liberá-lo na atmosfera, o transformará em combustível.
Em relação ainda ao tratamento de água e esgoto, a diminuição da pegada de carbono (indicador ambiental que mede a quantidade de gases de efeito estufa — GEE — emitidos por uma pessoa, empresa, evento ou produto) pode ser alcançada pela melhoria de diversos processos, como o uso eficiente da energia e reaproveitamento de recursos.
Uma pesquisa do Instituto Trata Brasil feita em 2023 sobre a prática ESG na cadeia de saneamento básico no Brasil, concluiu que o acesso pleno aos serviços de água e esgotamento sanitário pode ser uma das principais chaves para a proteção do meio ambiente, prevenção às mudanças climáticas e combate à pobreza. O trabalho defende ainda que o setor de saneamento precisa assumir um papel na agenda da ‘Adaptação às Mudanças Climáticas’.
Em nosso entendimento as empresas de saneamento além de reduzir vulnerabilidades às mudanças climáticas, também estão contribuindo no desenvolvimento urbano mais sustentável. O setor como um todo deverá atenuar cada vez mais os impactos ambientais e reduzir custos operacionais, contribuindo com ações estratégicas para a sustentabilidade, e principalmente para reação e adaptabilidade às mudanças climáticas. No entanto, será preciso investimentos do Poder Público e da Iniciativa Privada para que os trabalhos sejam materializados satisfatoriamente.
• Por: Engº Francisco Carlos Oliver, diretor técnico industrial da Fluid Feeder Indústria e Comércio Ltda., especializada em tratamento de água e de efluentes por meio de soluções personalizadas. | www.fluidfeeder.com.br