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14/03/2025

Menstruação: mitos, verdades e ciência

Há inúmeros mitos sobre a menstruação e é hora de desmistificá-los. A revista Nature Epidemiology perguntou a seis pesquisadores de todo o mundo e pediu que escrevessem sobre sua perspectiva sobre os mitos menstruais, incluindo crenças sobre alimentação, humor, sangramento e dor. Os pontos destacados no artigo incluem lacunas de conhecimento científico sobre a menstruação, conceitos equivocados, tradições e a dor causada pela nossa ignorância coletiva e pelas normas sociais e culturais existentes.

A menstruação é um evento fisiológico universal na população feminina que se manifesta externamente por sangramento genital a intervalos regulares. Infelizmente a menstruação ainda é cercada de mitos não fundamentados cientificamente e associada ao sofrimento. O sangramento mensal resulta de eventos hormonais orquestrados que asseguram a manutenção do ciclo reprodutivo feminino e culminam com o sangramento genital. Há, todavia, uma gama de sinais e sintomas físicos e psíquicos tais como inchaço, cansaço, dor nas pernas, irritabilidade e cólicas entre outros que frequentemente acompanham as variações hormonais.

Estima-se que cerca de 40 a 80% das mulheres são acometidas de sintomas pré-menstruais, que podem variar de leves a graves que compõem a famigerada síndrome da tensão pré-menstrual (TPM). É preciso ressaltar que somente 3 a 10% têm a forma mais grave e que, em geral, estes sintomas são limitados e desaparecem após o término da menstruação, mas comprometem a qualidade de vida da mulher. A avaliação médica é fundamental nestes casos uma vez que algumas doenças como hipotiroidismo, depressão e endometriose podem estar presentes e devem ser devidamente tratadas.

A dor em cólica durante o período menstrual atinge 15 a 50% das mulheres jovens, e pode ocorrer em associação com outros sintomas como náuseas, vômitos, alterações do hábito intestinal (diarreia ou prisão de ventre), cansaço, tontura, sensação de peso nas pernas, dor de cabeça entre outros. Cólicas intensas que comprometem negativamente a vida da mulher não são normais e a avaliação médica nestes casos é fundamental. Cólicas persistentes ou que há piora progressivamente demandam atenção. Parece surreal, mas ainda é preciso frisar que uma mulher ficar sentindo dor não é normal! Outros pontos relevantes discutidos no artigo incluem a necessidade de entender melhor os fenômenos associados à menstruação, educar e desmistificar conceitos assim como focar em maneiras de melhorar a saúde das mulheres. Parece não haver dúvida que o bem estar das mulheres e sua saúde estão intimamente relacionados à prosperidade e progresso de uma sociedade.

A endometriose é uma doença benigna que acomete cerca de 10% das mulheres jovens e se manifesta por dor em cólicas e infertilidade. Estudos revelam que há um atraso no diagnóstico da endometriose que pode variar entre 5 e 12 anos. No Brasil, a média de tempo decorrido entre o início dos sintomas e a confirmação do diagnóstico de endometriose é de 4 a 7 anos. Um dos motivos apontados por este atraso é a chamada “normalização da dor”.

Dados da literatura médica revelam que 61% das mulheres com endometriose escutou de um médico, inclusive de seus ginecologistas que não havia nada de errado e que a dor seria “normal”. 47% das mulheres passam por 5 ou mais médicos até obter o diagnóstico e/ou tratamento adequado. Infelizmente a jornada de uma mulher com endometriose envolve a peregrinação por consultórios e realização de inúmeros tratamentos, inclusive cirurgias, sem conseguir o alívio da dor ou a tão sonhada gravidez.

Por que as cólicas e sintomas menstruais são negligenciados? A resposta pode ser encontrada tanto nas próprias mulheres, nas suas famílias e no sistema de saúde em vários países e culturas. Pesquisas publicadas relatam as principais razões pelas quais as mulheres normalizam a dor, consideram-na tolerável e não procuram cuidados adequados, que incluem: falta de recursos ou acesso a cuidados de saúde, preferência pela automedicação, falta de conhecimento das opções de tratamento, experiências anteriores negativas com cuidados de saúde, vergonha e constrangimento, bem como ausência de apoio da família/ou profissionais de saúde.

Há campanhas nacionais encabeçadas por entidades médicas como a Sociedade Brasileira de Endometriose e a FEBRASGO (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) que visam educar os profissionais de saúde e conscientizar a população sobre a endometriose. Março, além de ser o mês da mulher, é também dedicado à conscientização sobre endometriose. A endometriose é um problema de saúde pública que atinge cerca de 8 milhões de brasileiras que clamam por cuidados. Mulheres com endometriose deveriam ser acolhidas e tratadas por equipes multidisciplinares, que infelizmente não estão disponíveis em todos os lugares.

Menstruar é quase que um sinal vital feminino segundo alguns pesquisadores, mas pode estar associado a um sofrimento profundo e a doenças benignas como a endometriose. Em geral, os distúrbios menstruais têm o potencial de afetar intensamente o curso de vida das mulheres com efeitos devastadores sobre sua vida profissional e pessoal. Oferecer cuidados de saúde adequados para elas é uma questão de humanidade.

Por: Dra. Márcia Mendonça Carneiro, professora titular- Departamento de Ginecologia e Obstetrícia – Faculdade de Medicina da UFMG – Ginecologista do Biocor /Rede D’Or – Embaixadora da Campanha IFFS #MaisAlegria.| Referência: Sommer M, Chrisler JC, Yong PJ, Carneiro MM, Koistinen IS, Brown N. Menstruation myths. Nat Hum Behav. 2024;8(11):2086-2089. doi:10.1038/s41562-024-02057-6