Investimento em infraestrutura sanitária pode mitigar riscos à saúde.
O litoral paulista enfrenta desde dezembro um surto de gastroenterite, que já afetou milhares de turistas e moradores. O surto causado pelo norovírus foi iniciado na região da Baixada Santista, mas se estendeu para o Litoral Norte e já há casos em cidades do litoral paranaense, como Guaratuba, Morretes e Matinhos.
Além de problemas à saúde das pessoas, o surto também causou impacto econômico na região. Segundo o Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares da Baixada Santista e Vale do Ribeira (SinHoRes), 19% das reservas foram canceladas na primeira semana do ano, o que também impactou os comerciantes locais.
Esta não é a primeira vez que o norovírus, que é altamente contagioso, causa um surto no país. No primeiro semestre de 2022 e de 2023 ocorreram surtos em Salvador. Também no início de 2023, o vírus foi responsável por um surto em Florianópolis. Em 2022, o norovírus causou um surto em janeiro, em Guaratuba, no litoral do Paraná.
Como acontece em São Paulo, os surtos anteriores ocorreram no verão quando o número de pessoas nas cidades litorâneas aumenta, o que facilita a proliferação do vírus, além de aumentar a geração de esgotos e a sobrecarga da infraestrutura sanitária.
Durante o verão já ocorre usualmente maior volume de chuvas e o cenário é mais grave nesta temporada. Guarujá, por exemplo, registrou em dezembro quase o dobro do volume de chuvas do esperado para o mês e no início de janeiro a cidade de Peruíbe ficou alagada.
No Brasil, as águas de chuvas são conduzidas pelo sistema de drenagem pluvial, enquanto os esgotos sanitários seguem por tubulações separadas, que, posteriormente, devem ser encaminhados a uma ETE (Estação de Tratamento de Esgotos), com o objetivo de reduzir os riscos ambientais e à saúde pública. Entretanto, nem todo volume gerado de esgoto é tratado. Em São Paulo, segundo dados do IBGE (2022), o índice de tratamento é de 90,8%. Embora seja bem superior à média nacional (52%), isso significa que o esgoto gerado por cerca de 9,2% da população do estado não passa por nenhum tipo de tratamento. Além disto, nem todas as ETEs possuem tratamento terciário, que inclui a etapa de desinfecção, única capaz de remover patogênicos, organismos que podem causar doenças, como o norovírus.
O alto volume de chuvas e o aumento na geração de esgotos podem sobrecarregar tanto o sistema de drenagem pluvial, quanto o sistema de coleta e tratamento dos esgotos, aumentando o risco de extravasamentos de águas contaminadas, que acabam atingindo o meio ambiente.
Muitas vezes são feitas ligações clandestinas dos esgotos no sistema de drenagem pluvial, aumentando significativamente a quantidade de contaminantes levados com as águas de chuva, que vão parar no solo, rios e mar. Também são realizadas ligações clandestinas das águas de chuva nos sistemas de tratamento operados pela SABESP, aumentando ainda mais os riscos de extravasamentos de esgotos não tratados para o meio ambiente.
Apesar da Sabesp realizar testes e inspeções para identificar conexões irregulares, segundo o próprio órgão, a venda e reforma de residências na região ocorrem com frequência e um imóvel regular, pode passar por reformas que impliquem na futura implantação de ligações irregulares, que podem ser religadas a qualquer momento.
Todos esses cenários podem acontecer mesmo em uma cidade como Santos, onde 99,7% dos efluentes é tratado, segundo a SABESP. Mas a situação é mais delicada em outras cidades do litoral paulista, onde há uma concentração de municípios com baixo índice de coleta de esgoto, segundo o último Boletim Saneamento, de junho de 2022, do Centro de Pesquisa em Economia Regional da Fundação para Pesquisa e Desenvolvimento da Administração, Contabilidade e Economia (Ceper-Fundace), elaborado com base nos dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS).
Reduzindo riscos de novos surtos — O risco de novos surtos pode ser mitigado por meio de inúmeras obras de infraestrutura, incluindo: implantação de sistemas que, em casos de extravasamentos em alguma parte da ETE, promovam o retorno do esgoto ao início do tratamento; implantação de emissários submarinos, que consistem em grandes tubulações que levam o esgoto tratado para o mar, para bem distante da orla da praia, possibilitando a diluição dos contaminantes e minimizando o risco de contaminação dos banhistas.
Outra ação importante é a implantação do tratamento terciário em todas as ETEs já implantadas. Como comentado, apenas a etapa de desinfecção é capaz de reduzir as concentrações de organismos patogênicos a níveis seguros. Existem inúmeras tecnologias disponíveis para desinfecção, dentre as quais se destacam a cloração, ozonização e a radiação ultravioleta.
O Novo Marco Legal do Saneamento estabelece que até 2033 o Brasil precisa universalizar o acesso à água potável (99%) e à coleta e tratamento de esgoto (90%). Para alcançar essa meta é necessário, ainda, superar dificuldades que incluem a canalização de áreas sem infraestrutura mínima e que podem demandar soluções não convencionais; áreas rurais e isoladas em expansão e distantes das infraestruturas existentes; ocupações irregulares situadas em área de preservação permanente ou em áreas de riscos e sem o devido processo de regularização.
O exemplo do Jardim Pantanal, SP — O distrito, localizado na Zona Leste de São Paulo, na divisa com a cidade de Guarulhos, possui 45 mil famílias, apesar de ser uma área de várzea do Rio Tietê. A região que deveria ser uma Área de Proteção Ambiental (APA), onde são proibidas construções de casas e ruas, começou a receber pessoas a partir da década de 80, devido ao crescimento desordenado da cidade. Há mais de três décadas os moradores sofrem com inundações e riscos de doenças, que podem ser fatais causadas, por águas contaminadas. Apesar do poder público construir piscinões e barreiras os moradores continuam sofrendo com as enchentes e atualmente é estudada até a remoção de 36 mil famílias em uma obra de pode custar mais de R$ 1,92 bilhão.
A grande desigualdade econômica e social no país acaba favorecendo as soluções inadequadas para disposição dos esgotos. Grande parte dos moradores das áreas irregulares são muito carentes e não tem condições para arcar com os custos das ligações de esgotos, das contas de água e esgotos, optando por ligações irregulares.
Temos inúmeras tecnologias que possibilitam reduzir os riscos de novos surtos, atuando em fatores que podem ser controlados, mas também é preciso empenho de órgãos públicos, das empresas responsáveis pelas ETEs e da população para que tenhamos ambientes mais seguros e que propiciem o turismo e o crescimento econômico de forma ordenada nas cidades litorâneas.
• Por: Raquel Cota, Gerente de Projetos Setor de Water da Tractebel e doutora em Saneamento pela UFMG. | A Tractebel é uma multinacional de consultoria em engenharia que desenvolve soluções integradas para projetos sustentáveis de energia, infraestrutura, saneamento, hidrologia, geotecnia, nuclear e meio ambiente. Apoiada por 160 anos de experiência combinados com conhecimentos locais a Tractebel é capaz de solucionar projetos complexos orientados para neutralização de carbono. Ao conectar estratégia, design, engenharia e gestão de projetos, a comunidade de mais de 5.600 especialistas ajuda empresas e autoridades públicas a criar um impacto positivo em direção a um mundo sustentável, onde as pessoas, o planeta e os negócios prosperam coletivamente. Possui escritórios na Europa, Médio Oriente, América do Norte e do Sul, e faz parte do Grupo Engie, referência global em energia e serviços de baixo carbono. | https://tractebel-engie.com.br/pt