O papel estratégico da governança e da mediação em busca da longevidade.
A dinâmica das empresas familiares impõe desafios específicos que podem comprometer sua longevidade. Não por outra razão, notícia publicada recentemente[2] destaca uma tendência crescente: herdeiros estão assumindo funções em conselhos antes de assumirem a gestão das companhias, em um movimento que reflete a necessidade de estruturação na transição geracional e de prevenção de conflitos que, se não forem adequadamente tratados, podem desestabilizar o negócio e comprometer seu futuro.
O crescimento e a perenidade das empresas familiares dependem, em grande medida, da capacidade de seus membros em diferenciar relações pessoais e profissionais. A falta de mecanismos claros de governança e solução de disputas pode levar a divergências que podem se transformar em litígios complexos, morosos e custosos. Nesse sentido, a prevenção de conflitos através de protocolos bem definidos e o uso de soluções consensuais, como a mediação, são fundamentais.
A governança corporativa, quando aplicada a empresas familiares, precisa equilibrar a preservação dos valores e da identidade do negócio com a necessidade de profissionalização e sustentabilidade. O estabelecimento de um conselho de administração, com participação de membros independentes, pode garantir uma gestão mais técnica e imparcial.
Além disso, a definição de regras claras para sucessão e participação dos familiares nos negócios é essencial. Planos sucessórios bem estruturados evitam disputas internas e preparam os herdeiros não apenas para a gestão, mas para o entendimento do funcionamento do negócio dentro de um contexto de mercado competitivo. A introdução de programas de capacitação para os futuros gestores pode ser um diferencial importante, permitindo que os herdeiros adquiram as competências necessárias para liderar com segurança e visão estratégica.
Outro aspecto relevante é a criação de acordos societários, que estabeleçam diretrizes sobre entrada e saída de sócios, divisão de dividendos e critérios para tomada de decisão. Esses documentos ajudam a evitar conflitos futuros, fornecendo um guia sobre o funcionamento da empresa e prevenindo desentendimentos que podem prejudicar o andamento dos negócios.
Quando conflitos surgem, por sua vez, meios adequados – e extrajudiciais – de solução de disputas podem evitar que desentendimentos se tornem críticos a ponto de ameaçar a continuidade da empresa. A mediação é um dos instrumentos mais eficazes para resolver disputas em empresas familiares, pois permite que as partes dialoguem com o auxílio de um profissional neutro, alcançando soluções que respeitem tanto os interesses empresariais quanto os relacionamentos pessoais.
A implementação de cláusulas compromissórias de mediação nos contratos societários e a previsão de conselhos de solução de disputas dentro da governança corporativa podem ser estratégias eficazes para lidar com conflitos de forma estruturada e eficiente. Além disso, a criação de fóruns internos de discussão dentro da empresa, nos quais os membros possam debater regularmente temas relevantes para a organização, fomentando um ambiente de transparência e cooperação. Essa prática reduz mal-entendidos e fortalece os laços entre os envolvidos, mitigando a possibilidade de litígios. Por outro lado, o uso da arbitragem como método complementar a ser utilizado em situações críticas pontuais pode proporcionar uma solução célere e definitiva para disputas que envolvam questões patrimoniais mais complexas.
Em síntese, empresas familiares são um dos pilares da economia e, para que sejam perenes, é essencial adotar uma cultura de prevenção e resolução de conflitos. A estruturação de regras de governança e a incorporação de mecanismos adequados de solução de disputas podem garantir não apenas a sustentabilidade dos negócios, mas também a preservação dos laços familiares. A preparação para a sucessão, aliada a uma gestão transparente e profissionalizada, pode ser a chave para garantir a continuidade dessas empresas. Para tanto, o investimento na capacitação dos herdeiros e na implementação de processos bem definidos reforça a solidez do negócio, permitindo que ele se perpetue e prospere ao longo das gerações.
• Por: Suzana Cremasco, doutora em Direito pela UFMG. Professora de Processo Civil do IBMEC. Advogada especialista em solução de disputas estratégicas.[1] https://shre.ink/bddg | [2] https://shre.ink/bddr