Recentemente, a marca de luxo Tânia Bulhões foi lançada no epicentro de um verdadeiro furacão virtual, gerando severas críticas e questionamentos nas redes sociais após influenciadoras digitais levantarem dúvidas sobre a autenticidade de peças da coleção Marquesa. Filmagens demonstram xícaras idênticas sendo utilizadas em um restaurante simples, na Tailândia (sem a assinatura da grife), bem como alguns usuários que chegaram a raspar o fundo do produto para mostrar que há a marca de outra fabricante.
Os vídeos viralizaram vertiginosamente, deixando os consumidores em polvorosa. Surgiram questionamentos legítimos acerca da coerência da marca – que sempre se posicionou como alto padrão. Conforme a descrição de seu próprio site, uma combinação de “exclusividade, brasilidade e sofisticação”. Até a brasilidade foi colocada em xeque, pois, embora afirme que a origem da coleção seja inspirada em fazendas mineiras, a presença notável do limão siciliano está inflamando a discussão entre os internautas, por ser uma fruta originária do sudeste da Ásia.
Após a polêmica, a empresa anunciou que vai descontinuar quatro coleções de porcelanas, pediu desculpas aos clientes e afirmou que seus produtos são frequentemente copiados, identificando que um parceiro comercial descumpriu acordos contratuais e comercializou sobras de produção, que não passaram pelo controle de qualidade. Como solução, informou a verticalização da produção.
É certo que uma eventual responsabilização da empresa, por atos que tenham violado direitos dos consumidores, deve ser objeto de análise estritamente técnica, desapaixonada. Evandro Lins e Silva, célebre jurista, para ilustrar que a opinião pública já foi responsável por injustiças históricas, certa vez disse: “expulsai-a, essa intrusa. É ela que ao pé da cruz gritava: crucificai-o”.
Contudo, para além de possíveis consequências legais, a empresa certamente enfrentará um desafio hercúleo: a quebra de confiança. No mercado de luxo, as marcas são identificadas por características como autenticidade e exclusividade, e qualquer inconsistência pode ser fatal. Isso sem falar que, atualmente, os consumidores estão muito mais atentos e interligados, desafiando as grifes a se reinventarem – sem abandonar os valores fundamentais que definem o “alto padrão”.
Não se olvida que as companhias que utilizam fornecedores externos sofrem com o risco de cópia e até mesmo venda indevida de descartes; entretanto, por mais complexa que seja a fiscalização efetiva, é importante destacar que, nessas hipóteses, a relação deve ser pautada pela transparência, pela proatividade e pela exatidão nas informações, ainda mais considerando a força vinculante da publicidade no Brasil. Só assim é possível evitar um dano irreparável à credibilidade, muitas vezes construída ao longo de décadas.
Michel Foucault, em sua memorável obra Vigiar e Punir, recorre à metáfora do “olho que tudo vê” para descrever o conceito de panóptico, idealizado por Jeremy Bentham no século XVIII: um modelo arquitetônico de prisão, no qual uma torre central permite a vigilância constante dos presos. Hoje, as redes sociais se tornaram verdadeiros panópticos modernos, submetendo as marcas ao escrutínio contínuo de milhões de consumidores e forçando-as a ajustar seu comportamento. É condição de sobrevivência.
• Por: Stéfano Ribeiro Ferri, Sócio-fundador do Stéfano Ferri Advocacia. Instrutor da 6ª Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP.