Com o retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, o cenário político e global deve se transformar mais uma vez, especialmente para economias emergentes como o Brasil.
Primeiro, há uma clara divergência em termos de alinhamento político. Enquanto no Brasil e em outros emergentes tivemos a ascensão de governos alinhados à esquerda nos últimos anos, nos EUA a eleição de Trump representa o renascimento de uma direita aparentemente combalida, mas que volta à Casa Branca mais forte do que nunca. Do lado brasileiro, o governo vem promovendo maior integração com parceiros do Sul Global, como a China e os demais países do BRICS. Já nos EUA, a postura de Trump mais protecionista pode acirrar as tensões comerciais.
Além disso, a criação de uma moeda única entre os países do BRICS, que foi proposta pelo presidente Lula e vinha ganhando tração, é vista como uma ameaça ao dólar. Isso porque os cinco fundadores do bloco – Brasil, China, Rússia, Índia e África do Sul – respondem por mais de um quarto do PIB global. O Fundo Monetário Internacional estima que em 2027 esses países serão responsáveis por 33,9% do PIB mundial, deixando para trás o tradicional G7, que deve cair para 28,26%.
No último encontro do BRICS, na Rússia, Putin foi mais contido ao discutir a introdução da moeda única, mas a simples ideia de criar uma alternativa para “fugir” do dólar e evitar sanções comerciais já foi vista pelo ocidente como uma ameaça velada à hegemonia norte-americana. E, se antes Washington já não pretendia abrir mão da influência monetária que exerce sobre o sistema financeiro global, com Trump isso pode virar um grande cavalo de batalha.
É importante observar, no entanto, que o comércio sem o dólar não é 100% adotado em outros blocos econômicos. Na União Europeia, por exemplo, apenas 50,3% das negociações são feitas com a moeda norte-americana. Em razão disso, e também por uma questão de “equidade” tributária, Trump poderia retaliar o Brasil com uma taxação pesada sobre as importações brasileiras. Caso Trump implemente sanções ou tarifas, setores como o agronegócio brasileiro, especialmente a exportação de carne bovina, gãos e etanol, poderiam ser diretamente atingidos. Em 2020, durante o governo Trump, o Brasil enfrentou pressões tarifárias semelhantes no setor de aço, com consequências relevantes na balança comercial.
Outro ponto de atenção é o fortalecimento da parceria entre Brasil e China. O país asiático já é o principal destino das exportações brasileiras, especialmente de commodities como soja, cereais e minérios de ferro. No entanto, Trump vê na China um rival estratégico e tem dado todos os indícios de que vai adotar uma postura bem dura nessa relação comercial. Se isso se concretizar, qualquer movimento do Brasil em direção a Pequim poderá ser interpretado como uma afronta aos interesses dos EUA.
No comércio de commodities, o Brasil também enfrenta o desafio de evitar que sua dependência econômica da China se transforme em um ponto de vulnerabilidade estratégica. Ampliar a pauta de exportação, incluindo produtos industrializados e de maior valor agregado – o que necessariamente esbarra na fraca industrialização do Brasil –, pode ser uma solução para diversificar mercados e reduzir os riscos associados ao protecionismo dos Estados Unidos.
Nessa bifurcação, o Brasil atua dos dois lados, já que temos relações comerciais e diplomáticas com a China e com os EUA. Um desajuste na balança comercial causado por sanções ou tarifas dos EUA poderia desencadear um efeito cascata, com a possível disparada do dólar, o que aumentaria o custo de importação de insumos e, consequentemente, a pressão inflacionária no mercado interno.
O Brasil precisa, inclusive, redobrar esforços para fortalecer laços com outros mercados emergentes, como Índia e África do Sul, e ampliar sua presença em fóruns multilaterais. Esse movimento ajudaria a criar alternativas de comércio e investimentos que poderiam mitigar os riscos externos.
Essa dinâmica controversa coloca o Brasil em uma posição delicada: como equilibrar uma balança comercial saudável, que exige maior alinhamento com a China, nosso principal cliente, com a pressão política de Trump que pode resultar em sanções ou graves restrições comerciais?
O país precisará adotar uma estratégia bem calculada, para manter laços com parceiros do Sul Global sem comprometer a boa relação comercial histórica com os EUA, combinando a diversificação de mercados e uma eventual redução da dependência de commodities brutas.
O caminho para chegar lá pode ser mais tortuoso do que parece, considerando o pouco esforço que o Brasil tem feito para se industrializar – o que abriria caminho para a ampliação da nossa matriz exportadora. Mas talvez o principal desafio ainda seja de ordem política. Numa queda de braço mais acirrada, o Brasil “vermelho” precisa reconhecer suas próprias limitações, enquanto emergente, e não deixar que o ímpeto ideológico prevaleça sobre o pragmatismo econômico e, principalmente, sobre o bom senso.
• Por: Raul Sena, especialista em mercado financeiro, educador de finanças e investimentos, fundador da AUVP Capital e eleito pela Anbima o principal influenciador de finanças do Brasil em 2024.