O tempo sempre obteve do homem uma forma de dimensionar suas atividades corriqueiras: tempo para caçar, tempo para as tarefas domésticas, tempo para se divertir, tempo para descansar. A revolução industrial acentuou a necessidade de utilização da mão-de-obra para produção e o tempo se transformou em moeda de troca, destinado que foi para medir o valor pago pelo empregador pela renúncia do trabalhador à liberdade de seu uso em benefício próprio. Assim, o tempo passou a ser negociado nas relações trabalhistas e controlado por lei, de tal forma que fosse preservado para uso pessoal como direito fundamental e de caráter indisponível além dos limites legais.
No mundo das relações trabalhistas, além do limite legal, imposto segundo a atividade profissional, permitiu-se, por meio de sindicato profissional, a negociação do tempo seja para compensar jornadas, seja para ajustes de reparação de tempo em que o empregado dispensa para chegar ao trabalho (horas in itinere) ou de necessidade de apresentação antecipada àquela fixada para o início da jornada de trabalho paga.
A propósito do tema, em 19/12/2024, o site do TST publicou notícia com o seguinte destaque “Tempo de tarefas de motorista antes e depois das viagens será pago como extra”, referindo-se ao processo RR-20631-56.2019.5.04.0003, em que se enfrentou a aplicação de norma coletiva diante do Tema 1.046 do STF.
Com efeito, a convenção coletiva de trabalho, a fim de estabelecer a reparação do tempo de preparação da viagem de motoristas de ônibus, na preparação das viagens, dispõe na sua Cláusula 29ª o seguinte:
“A jornada de trabalho dos motoristas será acrescida de trinta minutos diários, que as partes convencionam como suficientes para a assunção das funções, antes do início das viagens e a entrega do veículo após o término destas na garagem, considerando-se para tal efeito, a viagem de rodoviária a rodoviária.”
Inquestionável que tudo caminhava para a adequação correta do tempo destinado pelo motorista para a viagem, considerada sua preparação, partida e chegada ao destino.
A 7ª Turma do TST, em voto do ministro Alberto Balazeiro, ao analisar o recurso observou a validade da cláusula, considerando, todavia, que a negociação no limite de 30 minutos deixava de atender efetivamente ao tempo gasto pelo empregado motorista na sua jornada de trabalho, razão pela qual manteve a decisão do tribunal regional que considerou que “a previsão normativa, trata de mera presunção do tempo necessário, mas não afasta a possibilidade de produção de prova em sentido contrário.”
A fim de preservar e garantir o disposto no artigo 8º, §3º, da CLT, asseverou o regional da 4ª região “que a discussão estabelecida nos autos não se refere aos limites da autonomia da vontade coletiva, e sim na subsunção ou não do fato à norma e da prova efetivamente produzida.”
O Tema 1.046 do TST acentua que “são constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”.
Observou-se, no caso, o descumprimento da previsão normativa limitada a 30 minutos e, desta forma, o pagamento pelo tempo excedente teria se justificado.
Constata-se, também, que houve a prevalência do direito individual em detrimento da previsão normativa, ou seja, a autonomia da vontade coletiva de que trata o artigo 8º, §3º, da CLT, admite revisão, quando se tratar, na prática, de descumprimento do quanto está garantido nos limites da negociação coletiva.
Portanto, assevero que não se tratou de desobediência ao Tema 1.046 do STF, mas de destaque exemplar quanto ao respeito que se deve dar ao direito fundamental do tempo do trabalhador no desempenho de suas atividades laborais.
• Por: Paulo Sergio João, advogado e professor de Direito do Trabalho da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.