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18/12/2024

Projetos jurisdicionais e as oportunidades do mercado de carbono brasileiro

Depois de muita espera e impasses, a regulamentação do mercado de carbono brasileiro foi aprovada no dia 19 de novembro. O texto, que agora só precisa da sanção presidencial, é um substitutivo do Senado ao Projeto de Lei 182/24 e será implementado de forma gradual ao longo de seis anos. O Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE) permitirá a negociação de Cotas Brasileiras de Emissão (CBE) e de certificados de redução ou remoção verificada de emissões (CRVE).

O avanço da pauta nos remete às discussões das quais participamos durante a 2ª Conferência Brasileira Clima e Carbono, ocorrida em outubro, em São Paulo, que teve entre os principais temas a integração entre projetos privados de carbono e programas jurisdicionais, com ênfase nas iniciativas de REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal). A abordagem jurisdicional busca harmonizar esforços de redução de emissões em níveis nacional, regional e local, assegurando que políticas, projetos e ações de conservação e redução da degradação florestal sejam coordenados entre diferentes setores e níveis de governança.

Os projetos REDD+ são iniciativas de alta complexidade socioambiental e seu sucesso depende de diretrizes claras para transações de emissões e de um ambiente forte para valorização da biodiversidade, das comunidades e da floresta, tendo como consequência o fortalecimento deste mecanismo de precificação de carbono, de importância estratégica para o Brasil. Normas consistentes para contabilizar, de forma íntegra, reduções de emissões criam oportunidades ao endereçar críticas quanto à integridade do mecanismo e mitigar riscos de dupla contagem.

É importante compreender que as iniciativas jurisdicionais são projetos voluntários de REDD+ que aplicam padrões e metodologias específicas como o JNR e o TREES. Portanto, no contexto da PL deverão ser tratados como projetos que fornecem CRVEs para os participantes do SBCE. Neste sentido, é fundamental que a harmonização entre iniciativas voluntárias de REDD+ pública e privada sejam harmonizadas, mitigando o risco de dupla contagem.

Uma abordagem coordenada e integrada permite que o mecanismo REDD+ entregue ao mercado reduções de emissões de elevada qualidade e observância de salvaguardas socioambientais, contribuindo para que setores público e privado se beneficiem concomitantemente. Portanto, entende-se que os esforços jurisdicionais emergentes podem estruturar políticas públicas que fomentem o fluxo de investimentos para apoiar, em escala, a conservação florestal no país e apoiar os participantes do SBCE a atingir seus compromissos de redução de emissão de maneira custo-efetiva.

Necessidade de esforços de aninhamento — Nesse contexto, o painel “O aninhamento de projetos voluntários em programas jurisdicionais”, que ocorreu durante a Conferência e teve participação da WayCarbon, discutiu a relevância do alinhamento dos projetos privados às iniciativas jurisdicionais. Ao estabelecer linhas de base territorial e regras claras para a atuação do setor privado, as iniciativas jurisdicionais contribuirão para a integridade do SBCE, para a redução dos custos de transação de projetos REDD+ e para a otimização dos sistemas de Monitoramento, Relato e Verificação (MRV) das iniciativas de conservação florestal.

Sob a perspectiva da integridade, o aninhamento formal de projetos privados fornecerá as bases para a mitigação do risco de dupla contagem. Atualmente, o principal padrão jurisdicional, o ART/TREES, exige que as reduções de emissão dos projetos privados sejam integralmente descontadas das contabilidades jurisdicionais. Adicionalmente, ao observarmos a evolução dos padrões de REDD+ para projetos privados, já fica evidente a necessidade desses projetos convergirem suas contabilidades às linhas de base jurisdicionais, adotando níveis de emissão florestal jurisdicionais. O PL tangencia a questão ao declarar que proprietários de terra poderão solicitar que suas áreas sejam excluídas das contabilidades jurisdicionais, evitando dupla contagem de iniciativas privadas. Contudo, outras formas de aninhamento e participação em programas REDD+ podem ser pensadas e implementadas ampliando o impacto do financiamento de carbono.

Por exemplo, existem abordagens que permitem distribuir a taxa de desmatamento segundo as pressões observadas no território, contribuindo para uma efetiva alocação de recursos financeiros nas regiões de maior risco de desmatamento e degradação. Ferramentas de alocação de linha de base, como o Allocation Tool, do JNR, permitem ajustar a contabilidade segundo as pressões de desmatamento, por meio da definição de clusters de risco, mantendo os incentivos e a alocação de capital nas áreas de maior pressão e fomentando a participação privada.

Por fim, deve-se destacar a importância dos esforços jurisdicionais para assegurar salvaguardas sociais e ambientais, aumentando a transparência quanto ao impacto das iniciativas REDD+. Com a crescente valorização da integridade e qualidade dos certificados de redução de emissão pelos compradores internacionais, há ampla oportunidade de maximizar o impacto positivo das iniciativas REDD+ para comunidades e ecossistemas a partir de critérios e monitoramento robusto de salvaguardas.

Por: Henrique Pereira, Lucas Ribeiro e Isabela Floreano, da WayCarbon.