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05/12/2024

Os desafios para os pedidos de recuperação judicial no Brasil no âmbito do agronegócio

Conforme números recentes do Serasa Experian, nada menos que 207 produtores rurais entraram com pedidos de recuperação judicial no primeiro semestre deste ano, superando o volume observado ao longo de todo o ano de 2023, quando houve 162 pedidos.

É certo que vivemos uma crise financeira no agronegócio brasileiro e, ao mesmo tempo, pouco tem se falado sobre a necessidade de ingressar na Justiça com tais pedidos como uma única saída. A discussão se concentra no âmbito econômico e se distancia mais do que deveria das peculiaridades nesse setor quando os produtores optam por esse instituto.

Antes de tudo, vale refletirmos como há hoje vulnerabilidades em toda a cadeia produtiva, desde os pequenos e médios produtores até os grandes comerciantes. Os produtores enfrentam uma combinação de fatores adversos, como a alta dos custos de insumos, preços internacionais voláteis e dificuldades de acesso ao crédito. Além disso, eventos climáticos extremos, como secas, enchentes, queimadas, entre outros, têm reduzido a produtividade e comprometido safras inteiras. A pressão financeira é intensificada pela dependência de financiamentos para custear a produção, resultando em um ciclo de endividamento crescente.

Os corretores e comerciantes de grãos também têm sofrido os impactos da crise. A inadimplência por parte dos produtores afeta diretamente os contratos futuros e as margens de lucro das empresas que comercializam commodities. Além disso, a instabilidade no mercado internacional, associada às flutuações cambiais, impõe desafios adicionais na precificação e no cumprimento de acordos comerciais. Neste cenário, a fragilidade financeira dos produtores acaba sendo transmitida para outros elos da cadeia, criando um efeito dominó que compromete o equilíbrio do setor.

Com relação à recuperação judicial, os produtores têm buscado a reestruturação de dívidas e a reorganização operacional, garantindo que as empresas possam continuar operando enquanto negociam melhores condições com os credores. No setor agropecuário, vale observar que muitas empresas possuem grande importância regional e empregam milhares de pessoas, além de desempenharem um papel fundamental na segurança alimentar do país.

É por conta disso que ingressar na Justiça com um pedido de recuperação judicial deve levar em conta os ciclos produtivos e a dependência de fatores climáticos. A ideia é que o pedido atenda às demandas sazonais e a necessidade de crédito para novos plantios. Conforme a Lei 11.101/2005, está prevista a possibilidade da renegociação de dívidas com credores enquanto as empresas continuam operando, protegendo empregos e evitando a interrupção de suas atividades. Desse modo, há a reorganização das finanças dos produtores para que haja operações de maneira estruturada.

Discutir o instituto da recuperação judicial passa por ter em mente que os produtores rurais operam com margens apertadas e são altamente expostos a riscos externos, como oscilações de preços no mercado global e adversidades climáticas. Além disso, a possibilidade de renegociar prazos e condições de pagamento com credores evita a liquidação forçada de ativos essenciais, como terras e maquinário, que comprometem a capacidade produtiva e colocariam em risco a subsistência das famílias envolvidas.

Já os comerciantes e corretores de grãos, que dependem da estabilidade financeira dos produtores para cumprir contratos futuros, também se beneficiam de processos de recuperação judicial bem conduzidos. Quando produtores conseguem reestruturar suas dívidas e se manter ativos no mercado, a cadeia produtiva se fortalece, evitando um colapso generalizado. A ideia da recuperação judicial é atender individualmente empresas endividadas como proteger toda a cadeia do agronegócio. Atualmente, produtores rurais pessoas físicas podem ingressar na Justiça com o pedido desde que comprovem a sua atividade econômica contínua.

Por fim, a legislação brasileira tem evoluído para atender às particularidades do agronegócio, mas ainda há um longo caminho para garantir que os processos sejam ágeis e eficientes. A problemática das recuperações em cadeia é hoje uma realidade quando uma grande empresa pode carregar outras 20 ou 30 empresas menores face a dependência econômica criada nesta relação.

É nesse sentido que o “timing” de ação destas empresas afetadas é um elemento importante para não prejudicar ainda mais as demais operações.

Afinal, há outra saída?

Por: Marcelo Naufel, advogado especialista em recuperação judicial e sócio do Almendros, Batista e Naufel Advogados.