Nos últimos anos, o mercado de energia no Brasil passou por mudanças profundas e aceleradas. O que antes era um ambiente dominado por grandes consumidores de energia está se transformando em um mercado acessível a centenas de milhares de consumidores, com a expansão do Ambiente de Contratação Livre (ACL). Essa transição representa uma grande oportunidade para as empresas do setor, mas também impõe desafios estratégicos significativos.
O artigo que compartilho hoje é baseado em um estudo realizado pela consultoria Strategy& e traz insights valiosos sobre como as empresas de energia podem se adaptar e prosperar nesse cenário dinâmico. Vamos discutir os diferentes segmentos de atuação na comercialização de energia e como as empresas podem gerar mais valor em um mercado que se torna cada vez mais aberto e competitivo.
O Mercado Livre Energia no Brasil deverá atingir um crescimento impressionante nos próximos anos. Até 2040, o Ambiente de Contratação Livre (ACL) pode alcançar receitas de R$ 110 bilhões, sendo que R$ 50 bilhões desse montante virá da migração de novos clientes a partir de 2024. Esses números já mostram o potencial desse mercado, que, em um futuro próximo, não será mais restrito apenas aos grandes consumidores, mas incluirá também pequenos clientes residenciais.
Com a entrada de novos players e consumidores de diferentes perfis, o setor de energia precisa se adaptar a essa nova realidade. Um dos grandes desafios será atender à crescente demanda de pequenos consumidores residenciais, que, apesar de terem um baixo consumo médio (cerca de 4,1 MWh), representam um grande volume de usuários – cerca de 45 milhões até 2030.
Essa mudança de perfil dos clientes traz impactos diretos para as estratégias das empresas de comercialização de energia. A competitividade aumentará, e a complexidade na gestão de clientes também. Empresas que antes focavam em grandes contratos de fornecimento agora precisam lidar com a diversificação de sua base de clientes e com um mercado muito mais dinâmico.
Uma das principais tendências identificadas no relatório da Strategy& é a crescente participação de players não tradicionais no mercado de energia. Comercializadores puros e instituições financeiras que não possuem histórico no setor de geração ou distribuição aumentaram sua participação no ACL em 21% desde 2015. Hoje, 51% do volume negociado pelos 30 principais comercializadores está nas mãos de serviços financeiros (15%) e comercializadores puros (36%). Esse movimento demonstra que as barreiras consideradas anteriormente estão se tornando mais baixas e que novas competências estão sendo exigidas para competir nesse ambiente.
A abertura do mercado cria oportunidades para empresas com foco em varejo e trading, especialmente para atender pequenos consumidores. Estima-se que esse segmento representará mais de 17% do total comercializado até 2040, tornando-se o de maior crescimento. Nesse contexto, empresas com experiência em varejo terão uma vantagem competitiva significativa, uma vez que empacotar ofertas e automatizar o atendimento serão estratégias cruciais para lidar com a complexidade e o volume desse público. O desafio será como adaptar os modelos de negócios existentes para incluir processos de varejo mais eficientes, como personalização de ofertas, marketing direcionado e atendimento automatizado, tudo isso enquanto se gerencia um número crescente de consumidores com perfis muito variados.
Para as empresas tradicionais do setor de energia, o cenário traz um dilema estratégico importante. Com a entrada de novos concorrentes e a migração de consumidores para o ACL, surge a necessidade de decidir entre duas grandes estratégias: concentrar-se no core business ou diversificar. Concentrar-se no core business significa dobrar os esforços para manter e fidelizar a base atual de clientes, garantindo que a qualidade do serviço e as ofertas continuem atraentes para grandes consumidores de energia. Para essas empresas, a capacidade de oferecer soluções customizadas e altamente eficientes pode ser a chave para reter valor em um mercado onde novos players estão prontos para captar participação.
Por outro lado, a diversificação oferece uma oportunidade de expansão para novos mercados e segmentos de clientes. A demanda por pequenas contas residenciais e comerciais está em crescimento, e players que forem capazes de desenvolver novas capacidades poderão se destacar. Nesse cenário, a diversificação também pode envolver a aquisição de outras empresas ou a expansão para novas geografias, o que pode trazer ganhos de escala e sinergias.
A escolha entre essas duas estratégias não é simples, e ambas demandam um planejamento cuidadoso e consciente. Seja qual for a decisão, as empresas precisam estar preparadas para desenvolver novas capacidades e se adaptar rapidamente às mudanças do mercado.
Independentemente da estratégia adotada, a tecnologia será um pilar essencial para a adaptação ao novo mercado de energia. O relatório da Strategy& aponta que a digitalização de processos, a automatização do atendimento ao cliente e o uso de dados para personalização de ofertas serão diferenciais competitivos importantes nos próximos anos. Empresas que investirem em plataformas de análise de dados e em tecnologias de automação estarão mais bem preparadas para atender ao grande volume de novos consumidores que ingressarão no ACL. A capacidade de entender o comportamento e as preferências dos clientes será um dos principais fatores de sucesso.
Além disso, o trading de energia ganhará relevância com a maturidade do mercado, exigindo maior liquidez e flexibilidade nas operações. Empresas que conseguirem integrar soluções tecnológicas avançadas com operações de trading terão um posicionamento competitivo forte, capaz de responder rapidamente às demandas de um mercado cada vez mais dinâmico.
O crescimento do mercado livre de energia no Brasil representa uma oportunidade única para as empresas do setor, mas também traz desafios significativos. As empresas precisam se adaptar a um novo cenário competitivo, com a entrada de milhões de novos consumidores e o surgimento de players não tradicionais. Nesse contexto, será crucial adotar novas estratégias que permitam tanto a fidelização de grandes clientes quanto a expansão para novos segmentos. Empresas com foco em varejo, que investirem em automação e digitalização de processos, terão uma vantagem competitiva significativa.
Ao mesmo tempo, players tradicionais precisam avaliar se devem concentrar seus esforços em seu core business ou diversificar suas operações para capturar o potencial de crescimento do mercado livre. Independentemente da escolha, a capacidade de adaptação e inovação será o diferencial para prosperar nesse novo ambiente. O futuro do mercado de energia no Brasil é dinâmico e promissor. As empresas que souberem antecipar tendências, adotar novas tecnologias e se adaptar às mudanças no perfil de consumo estarão mais bem preparadas para gerar valor e liderar esse processo de transformação.
• Por: Márcio Sant’Anna, sócio fundador e Co-CEO da Ecom. Em 2022, junto com Paulo Toledo, fundaram a Ecom, que é uma das maiores comercializadoras independentes de energia renovável do Brasil e mais de 20 anos de história no Mercado Livre de Energia. Márcio iniciou sua carreira na Ambev, por onde passou por diversas áreas, e ingressou no mercado de energia na CPFL.