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15/11/2024

Donald Trump e a dopamina

Pelo menos duas vezes por semana eu posiciono minha bicicleta ergométrica diante da TV e sintonizo um canal de treinos on-line, para pedalar e bufar durante longos minutos de uma aula de Spinning. Uma das professoras, uma simpática mineirinha chamada Carol, avisa de cara que sua aula vai produzir Dopamina, a “Rainha do Neurotransmissor” (sic), “responsável pela felicidade e o bem estar” (segundo ela). A afirmativa está errada, mas bem intencionada, e tenta emprestar algum prazer ao treino em que vamos subir e descer ladeiras imaginárias com nossa bike, no recesso de nosso lar, ou academia. O prazer vem depois, e depende de uma série de redes neurais e neurotransmissores e neurormônios. Mas não é essa a questão desse artigo.

A neurocientista Anna Lembke escreveu um livro seminal, “A Nação Dopamina”, em que explora a Dopamina na nossa atual “Era da Indulgência”. A Dopamina é liberada em nossas Áreas Cerebrais de Recompensa diante ou após atividade prazerosa, como comer chocolate, fazer sexo ou usar Nicotina ou Anfetamina (a má notícia é que as substâncias liberam mais Dopamina que o sexo, atividade meio em decadência no Ocidente). O que escapa à simpática professora de bike, a supracitada Carol, é que o efeito mais importante da Dopamina não é ser liberada diante do prazer, mas de reforçar a Busca por mais prazer. E isso se dá por um balanço sutil: depois do prazer, temos um período de desconforto, de empapuçamento – basta lembrar como nos sentimos depois de devorar uma caixa de bombom ou um ovo de Páscoa: depois do prazer guloso, vem um mal estar físico, além da ressaca moral. Isso está na base de nossa Sociedade de Adictos, que virou nosso habitat atual: buscamos o prazer, obtemos, vem a ressaca, procuramos mais prazer para evitar o desconforto. Portanto, Carol, a principal função da Dopamina não é fornecer ou ativar as áreas de Recompensa de nosso Sistema Nervoso Central. A principal função é a Busca da sensação de prazer, que faz com que nós todos puxemos as carroças do Capitalismo em busca desse prazer, real ou imaginário.

A tese desse artigo é que a reeleição de Donald Trump e o desempenho de candidatos da Direita, como em nossa última eleição aqui no Brasil, estão mais relacionados aos sistemas dopaminérgicos do que supõe nossa vã filosofia política.

Assistindo o discurso de Kamala Harris, após a acachapante derrota eleitoral para Donald Trump. Visivelmente emocionada e com a voz trêmula, a tristeza nos olhos em contraste com as palavras de gratidão e esperança que saíam de seus lábios. Foi um esforço segundo seu discurso em “construir comunidade e construir coalizões”. Essa narrativa foi atropelada pelo discurso focado na Força e no Individualismo que virou uma divisão monolítica do discurso da Direita. Uma narrativa que, nesse momento histórico, se revela predominante e irresistível. A busca pelo domínio, pelo controle, pelo empapuçamento do Poder, vai atropelando os temas na união, da colaboração, do cuidado com os mais fracos, presentes no discurso de Kamala e na luta de Boulos aqui em São Paulo. Veja o querido leitor aí do outro lado da tela que esse artigo não se trata de defender que esses candidatos representam o Bem sendo triturado pelas forças do Mal e da Ganância. Não. O que se destaca é que esse discurso está sendo triturado pelo apelo ao desejo de potência e prosperidade, que os marketeiros da Direita manejam com muita habilidade.

Nas Redes Sociais, vemos intelectuais com esgares de ironia falando dos “pobres de Direita”, pessoas manipuladas pela Teologia dominante de nosso tempo, que é a Teologia da Prosperidade. Pois é, esse é exatamente o ponto. Esse é o ponto onde a Esquerda perdeu o bonde, e parece desconectada do jogo: os “pobres de Direita” querem é prosperar. Querem abrir uma “start up” e ser um “game changer” no Mercado. Não querem ouvir falar de Reforma Agrária.

Eu, como muitas famílias de classe média, passei uma boa parte da minha infância com uma empregada querida em nossa família. Ficou com a gente até sua aposentadoria. Pudemos notar e, felizmente, colaborar, com a mudança em sua vida quando passou a frequentar uma igreja onde o pastor a inspirou a aumentar a sua renda, vendendo bolos e café na vizinhança, o que fazia no final de semana. Construiu sua casa, com auxílio da nossa família, mas também de sua comunidade e sua mentalidade micro empreendedora que aprendeu na igreja.

As pessoas, os tais “pobres de Direita” não estão mais querendo queimar pneus ou fazer passeatas por “mais verbas para a Saúde e Educação”. Querem canalizar a sua Esperança em suas próprias forças para construir seus sonhos. A busca pelos sonhos está baseada na Dopamina. E hoje, quem está sabendo manejar, cutucar e liberar a Dopamina no Cérebro do eleitorado é o discurso que Donald Trump prometendo que “vai fazer a América grande e poderosa novamente”. O pai forte, que é um bilionário, e vai mostrar o caminho do Paraíso, que é o sucesso econômico. Essa é a Dopamina eleitoral.

O Neuromarketing está no Poder.

Por: Marco Antonio Spinelli, médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”.