marcia-mendonca

13/11/2024

Gisele, Sabrina e a gravidez após os 40 anos: mitos e verdades

O anúncio das gravidezes de Gisele Bündchen e Sabrina Sato causou um burburinho nas redes sociais não apenas pelo fato de serem celebridades com milhares de seguidores, mas por ambas estarem acima dos 40 anos de idade. É sabido que a fertilidade feminina começa a declinar naturalmente por volta dos 30 anos, acelerando após os 35. Aos 41 anos, o risco de infertilidade pode atingir 50%, e chega a 90% aos 45. A redução da fertilidade com o avançar da idade é o resultado da perda da quantidade e da qualidade dos óvulos que é contínua e inevitável ao longo da vida. Ainda assim, as mulheres continuam a adiar cada vez mais a gravidez por vários motivos incluindo a falta de um parceiro adequado, necessidade de se atender às demandas crescentes do mercado de trabalho ou pela falta de infraestrutura para as mães tais como creches e flexibilização da jornada de trabalho.

Na verdade, as gestações “tardias” de Gisele e de Sabrina refletem o comportamento de muitas brasileiras segundo os últimos números divulgados pelo IBGE no Brasil: entre 2018 e 2022 aumentou o número de bebês nascidos de mães entre 40 e 49 anos enquanto houve um decréscimo nas demais faixas etárias. O crescimento na faixa acima de 40 anos desde 2010 chega a 65,8%. A tendência é semelhante na Europa e nos Estados Unidos e resulta das mudanças culturais, econômicas e sociais que transformaram profundamente a percepção das mulheres em relação à maternidade. Estudos recentes revelam que, em nosso país até 37% das mulheres não querem ser mães e, na União Europeia, o número pode chegar a 70%. Há ainda aquelas que receiam que a maternidade possa ser um entrave no desenvolvimento profissional enquanto outras só se sentem prontas para encarar o desafio da maternidade quando se estabilizam na profissão, o que em geral ocorre após os 35 anos de idade.

O dilema que surge com o desejo tardio de gravidez é o descompasso entre o funcionamento dos ovários e o planejamento de vida das mulheres. O acelerado envelhecimento reprodutivo feminino principalmente após os 35 anos é tema frequente nos congressos e publicações científicas, mas não há métodos estabelecidos capazes de manter ou restaurar a perda da função ovariana que ocorre naturalmente ao longo da vida. A maioria das intervenções ainda se restringe a estudos experimentais em modelos animais, e ainda não há perspectiva para o uso em humanos. O desenvolvimento das Técnicas de Reprodução Assistida (TRA), como fertilização in vitro (FIV) permitiu postergar a maternidade através do congelamento de óvulos, que preferencialmente deve ser feito até os 35 anos para obtenção dos melhores resultados.

Outro ponto fundamental a ser considerado são os riscos materno-fetais em uma gravidez após os 40 anos de idade que incluem: aumento das chances de aborto, anomalias cromossômicas fetais, parto prematuro, hipertensão e diabetes gestacional entre outras. Além disso, após os 40 anos são mais comuns situações patológicas que podem inferir na fertilidade e/ou complicar uma gestação tais como miomas uterinos, adenomiose e endometriose. O estresse da vida moderna aliado ao sedentarismo, à dieta rica em ultra processados e a obesidade pioram ainda mais a situação. É importante ressaltar que o estado de saúde do futuro bebê começa a ser moldado nos 100 dias antes da concepção até os 1000 dias seguintes. Por isso, cuidar da saúde materna nesse período é essencial, não apenas para o bom andamento da gravidez, mas também para a saúde do bebê ao longo de toda a vida.

Antes de mirar no exemplo de celebridades, as mulheres precisam entender que da mesma forma que planejam sua educação e suas carreiras, precisam focar na saúde reprodutiva e, caso queiram, podem planejar a maternidade. Apesar dos inúmeros avanços tecnológicos, a idade feminina ainda constitui o principal fator prognóstico para as chances de gravidez, mesmo quando se usa as TRA, de forma que decisão de ser mãe não pode ser adiada indefinidamente. A maternidade, caso desejada, deve ser discutida e planejada de modo que concilie os sonhos e aspirações profissionais, permita uma gestação livre de complicações e o nascimento de crianças saudáveis. Cada mulher é única e com tal deve ser avaliada para receber informações embasadas no melhor conhecimento científico disponível.

Por: Márcia Mendonça Carneiro, Diretora científica Clínica Origen, professora Titular – Departamento de Ginecologia Faculdade de Medicina (UFMG).