No último mês, o Conselho Nacional de Justiça, aprovou a resolução nº 571/24 – modificando parcialmente a Resolução CNJ nº 35/2007 – que, de forma inovadora, pacificou a possibilidade do trâmite de partilhas de inventário e divórcio pela via extrajudicial, ainda com a exigência de menores, incapazes e, no caso de inventário, com a existência de testamento deixado pelo falecido.
A medida busca o avanço na desburocratização dos processos consensuais de inventário e divórcio, especialmente diante do sobrecarregado judiciário brasileiro, que efetivamente apresentava lentidão no trâmite de ações que poderiam tramitar pela via extrajudicial, diante do consenso existe entre todas as partes.
Mas afinal, qual a inovação da Resolução 571/24? A modificação da Resolução CNJ 35/07 tem como principal objetivo promover um avanço significativo na desjudicialização de procedimentos que, até então, exigiam a obrigatória intervenção do Poder Judiciário nos casos de inventário e divórcio.
Para as mudanças do procedimento de inventário extrajudicial podemos destacar como pontos positivos as seguintes alterações:
a) A livre escolha do tabelionato de notas, independentemente da competência de prevista no Código de Processo Civil (art. 1º Resolução 571/24), de modo que os herdeiros e interessados, em conjunto e de forma consensual, poderão se dirigir ao tabelionato de notas que melhor definirem, sem restrição de competência, em especial, de competência territorial;
b) Complementação da possibilidade de o inventariante proceder a alienação de bens do espólio para satisfação do imposto de transmissão, honorários advocatícios, emolumentos notariais, entre outros, reforçando que a alienação poderá ser realizada independentemente de autorização judicial. A redação original da Resolução 35/2007 do CNJ, mesmo prevendo a possibilidade de alienação de bens pelo inventariante gerava conflito em seu cumprimento, diante da ausência da expressão que a alienação independia de autorização judicial, o que foi devidamente pacificado por meio da nova redação da norma.
c) Possibilidade de se processar o inventário extrajudicial, desde que todos os interessados manifestem consenso, ainda que inclua interesses de menor ou incapaz e ainda que o autor da herança tenha deixado testamento. Na existência de herdeiros menores ou incapazes, far-se-á obrigatória a concordância prévia do Ministério Público e a partilha deverá observar a parte ideal em todos os bens, como proteção àqueles. Já no caso de existência de testamento, a Ação de Abertura, Registro e Cumprimento de Testamento permanece obrigatória, de modo que a escritura de inventário somente será lavrada após o trânsito em julgado da aludida ação judicial.
d) No caso de existência de testamento com cláusula irrevogável, como a de reconhecimento de filho (CC, art. 1.610), o processo de inventário deverá, obrigatoriamente, se dar pela via judicial.
e) Os companheiros poderão ter reconhecido seus direitos de herança e meação por meio da própria escritura de inventário, ainda que não haja formalidade da união estável.
O Ministério Público terá papel fundamental na observância das escrituras de inventário, a fim de certificar que os interesses dos menores e incapazes estão preservados em sua integralidade. Neste ponto, ressalta-se como requisito essencial para lavratura da escritura a impossibilidade de realizar a partilha cômoda entre os herdeiros.
Isso porque, havendo herdeiro menor ou incapaz, este deverá ter preservado seu quinhão hereditário sobre todos os bens do inventário, ou seja, a redistribuição cômoda do patrimônio entre os herdeiros, a fim de evitar condomínio indesejado, não é permitida pela nova resolução.
Ademais, o Ministério Público de São Paulo publicou a Resolução 1919/24 PGJ, indicando as razões que podem levar à oposição do promotor para realização da partilha quando: (i) Não houver o pagamento do quinhão hereditário ou da meação do menor ou incapaz em parte ideal em cada um dos bens inventariados;
(ii) Houver fundados indícios de fraude, simulação ou dúvida sobre a declaração de vontade do herdeiro menor ou incapaz. Este motivo causa estranheza de redação, eis que não há de se falar em declaração de vontade de herdeiro menor ou incapaz, na medida que caberá ao representante legal a manifestação dos interesses daqueles.
Para o divórcio consensual extrajudicial, o racional é bastante replicado, ou seja, os divorciando devem estar em consenso, e ainda que haja filhos menores, o processo poderá se dar de forma extrajudicial.
Todavia, é requisito para a lavratura da escritura, a definição das matérias pertinentes aos filhos menores pela via judicial: guarda, visitação e alimentos. Apresentada a certidão de trânsito em julgado do processo judicial, os termos definidos serão replicados na escritura pública.
Considerando que os interesses dos menores e incapazes serão tratados pela via judicial, na via extrajudicial do divórcio consensual, dispensa-se a manifestação do Ministério Público.
É certo ainda que caberá ao Ministério Público de cada Estado, a redação de suas próprias resoluções para que possam atender as demandas que surgirão pela via extrajudicial.
Não obstante isso, é certo que a Resolução do CNJ sinaliza ambição pela simplificação dos processos, e deve agregar com celeridade e desburocratização de medidas.
• Por: Ana Clara Martins Fernandes, Advogada especialista em direito de família e sucessões, planejamento patrimonial e sucessório, integrante do Family Office do Briganti Advogados.