As audiências e sustentações orais telepresenciais ressignificaram o modo de atuação do Judiciário e a entrega da tutela jurisdicional, principalmente sob a ótica da redução de custos, eficiência e celeridade.
Não há dúvidas que a tecnologia também facilitou a participação do empregado e do empregador no processo. O uso do balcão virtual, outra incrível inovação dos Tribunais, também contribui para a facilitação do acesso do jurisdicionado ao Poder Judiciário.
Portanto, audiências, sustentações orais, acesso às secretarias das varas são realidades com as quais os jurisdicionados, advogados, juízes, desembargadores, ministros, serventuários, se valem com muita naturalidade atualmente.
Nesta esteira, atualmente um e-mail permite que um banco seja oficiado e bloqueie as contas de um devedor que se nega a cumprir uma decisão judicial de forma mais célere. Antes, havia a necessidade de dias entre a emissão da ordem, impressão, conferência, assinatura do magistrado, remessa aos correios e, finalmente, entrega ao banco. Hoje isso pode ocorrer em um intervalo de poucas horas.
Outra figura que vem ganhando espaço nas discussões e processos é a prova digital. O Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) aponta que os registros em sistemas de dados das empresas, ferramentas de geoprocessamento, dados publicados em redes sociais e até biometria são algumas das informações digitais armazenadas em bancos de dados diversos que podem comprovar, em processos trabalhistas, a efetiva realização de horas extras ou confirmar que uma das partes no processo mentiu sobre um determinado fato, como, por exemplo, atestado médico.
Empresas que fornecem soluções para rastreamento estão sendo contratadas para não mais fazer apenas a geolocalização de mercadorias, mas apontarem rotinas e itinerários de trabalhadores. Outras empresas estão criando sistemas com identificação facial para controle de entrega, substituição dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI), contribuindo para diminuir riscos e condenações de empregadores que têm, em maior ou menor grau, ambientes insalubres e que o uso dos EPIs é uma obrigação.
As soluções tecnológicas estão crescendo dentro da relação entre empregador e empregado, permitindo que o empregador saiba se, entre uma visita e outra de um representante comercial, esse está fazendo uma corrida e levando consigo um passageiro, valendo-se de um aplicativo que ajuda na mobilidade urbana.
Estas inovações, ao lado de outras, estão contribuindo para implementar uma grande melhoria na forma como o devido processo legal ocorre, diminuindo custos, acelerando a conclusão dos processos, lembrando que agilidade na entrega da prestação jurisdicional é um comando constitucional.
Ao lado destas inovações e melhorias, soma-se a Inteligência Artificial (IA). No Brasil, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu a Resolução de número 332 de 21 de agosto de 2020, que dispõe sobre a ética, transparência e governança na produção e no uso deste recurso no Poder Judiciário. O artigo 3º, inciso II desta resolução, conceitua a Inteligência Artificial como: “conjunto de dados e algoritmos computacionais, concebidos a partir de modelos matemáticos, cujo objetivo é oferecer resultados inteligentes, associados ou comparáveis a determinados aspectos do pensamento, do saber ou da atividade humana”.
No âmbito da Justiça do Trabalho, o sistema “Bem-te-vi”, que faz o gerenciamento e a análise automática da tempestividade dos processos, com o auxílio da Inteligência Artificial, já é aplicado desde 2018, simplificando e agilizando este pressuposto de conhecimento do recurso, inclusive diminuindo a possibilidade de erros.
A “Justiça em Números 2024” aponta o “Programa Justiça 4.0”, que busca inovação, efetividade com finalidade promover o acesso à Justiça, por meio de ações e projetos desenvolvidos para o uso colaborativo de produtos que empregam novas tecnologias e inteligência artificial, entre eles, por exemplo: a “Plataforma Codex”, a qual permite a captura de peças processuais para aplicação de modelos de Inteligência Artificial.
Mas o uso da IA traz também preocupações. Na França, a lei 2019-222 trata do uso da IA e o artigo 33 dessa lei veda que os dados a respeito dos magistrados sejam publicados com a finalidade de avaliar, analisar, comparar ou prever as práticas reais ou supostas desses servidores, ainda que com escopo meramente estatístico.
Isso ataca frontalmente a promessa de muitas lawtechs ou legaltechs que oferecem soluções jurídicas de litigância direcionada e desenvolvem tecnologias capazes de fornecer elementos para comparação entre os juízes. A jurimetria, ou análise de tendência, estimativa com base em dados são alguns dos temas que estão sendo discutidos quando se trata de IA e justiça.
A Comissão para a Eficácia da Justiça na Europa (CEPEJ) publicou uma carta ética sobre o uso da Inteligência Artificial em sistemas judiciais e seu ambiente na União Europeia, onde, entre inúmeras outras questões relevantes, traz o princípio da não discriminação, o qual busca prevenir especificamente o desenvolvimento ou a intensificação de qualquer discriminação entre indivíduos ou grupos de indivíduos – o que pode ser construído com a utilização indevida de tendências encontradas nos dados avaliados pela IA. A legislação está defendendo que, diante da possibilidade de identificação de vieses cognitivos revelados pela Inteligência Artificial, deve-se ter um sistema de controle que identifique, corrija e neutralize toda e qualquer forma de discriminação. Exige-se que sejam tomadas cautelas em todas as etapas, desde o desenvolvimento do sistema até a sua implementação, em especial quando envolverem dados sensíveis.
A Inteligência Artificial, a robótica, a tecnologia, estão revolucionando o mercado de trabalho, alterando, criando e extinguindo muitas profissões. Mas, por outro lado, o historiador Yuval Noah Harari, em seu best seller “21 lições para o século 21” sustenta que “a perda de muitos trabalhos tradicionais, da arte aos serviços de saúde, será parcialmente compensada pela criação de novos trabalhos humanos”. Defende o mesmo autor que o ser humano precisará se reinventar várias e várias vezes e que a mudança é a única constante, citando, como exemplo, que a Força Aérea dos Estados Unidos precisa de trinta pessoas para operar um drone Predator ou Reaper sobrevoando a Síria, enquanto a análise das informações coletadas por ele deve ocupar pelo menos mais oitenta pessoas.
Sistemas de IA são capazes de analisar grandes volumes de dados de processos, identificando padrões, extraindo informações relevantes e auxiliando na tomada de decisões.
Chatbots e assistentes virtuais baseados em IA oferecem informações e auxiliam os cidadãos em suas dúvidas sobre qualquer tema, o que, claro, inclui a legislação – sendo sempre conveniente a consulta de profissionais especializados para conferir, se o caso, a posição fornecida.
Modelos de IA e conhecimento de dados podem ser utilizados para prever o resultado de processos, auxiliando os advogados e juízes na tomada de decisões. Levantamento de tendência de julgamento dos magistrados pode ser utilizado para se buscar decisões em um ou outro caminho, contribuindo para a segurança jurídica.
Indiscutivelmente, a IA e automatização de tarefas podem, e estão, contribuindo para reduzir os custos operacionais do sistema judiciário.
Por outro lado, os algoritmos de IA podem perpetuar vieses existentes na sociedade, discriminando determinados grupos – o que já está no radar para se evitar que isso se torne um problema.
A Inteligência Artificial está transformando a sociedade e com a Justiça do Trabalho não é diferente, havendo indiscutivelmente pontos positivos e negativos, os quais serão, com o tempo e amadurecimento, ajustados às necessidades sociais.
É fundamental que o uso da tecnóloga e a implementação da IA ocorram de forma ética e com respeito aos direitos fundamentais, trazendo benefícios com transparência, imparcialidade, agilidade, evitando-se a discriminação, protegendo a segurança, qualidade da informação, privacidade e a proteção dos dados (LGPD), garantindo que os benefícios sejam maximizados e os riscos minimizados. A sociedade como um todo precisa estar envolvida nesse debate para garantir que a tecnologia e IA sejam utilizadas para o bem comum e respeitando-se as diretrizes constitucionais.
• Por: Alexandre Fragoso Silvestre, sócio do Briganti Advogados e Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP.