Com o patrocínio do Instituto Cultural Vale e da Shell, a segunda edição do projeto Viva Cinemateca vai exibir A Opinião Pública, Eles não usam black-tie, Greve, Manhã Cinzenta e O que é isso companheiro? em sessões gratuitas na programação do Festival do Rio. Resistência Cinematográficas seguirá ainda este ano para Fortaleza e João Pessoa; oito cidades do país confirmaram a mostra para o primeiro semestre de 2025.
Em 2023, a Cinemateca Brasileira organizou sua primeira edição da mostra itinerante A Cinemateca é Brasileira. A programação percorreu o país levando filmes que perpassam diferentes momentos históricos e propostas estéticas ao longo de mais de 120 anos de história. Uma seleção de 19 títulos foi exibida em 15 cidades de todas as regiões do país.
Diante do sucesso do projeto, a Cinemateca realiza a segunda edição de sua itinerância, que terá início em outubro e segue até julho de 2025. Com o título Cinemateca Brasileira – Resistências Cinematográficas, a nova curadoria inclui longas e curtas-metragens que revelam múltiplas abordagens da vocação democrática do país e sua resistência a retrocessos autoritários, em especial o regime militar que teve início há 60 anos. Em setembro, o projeto exibiu filmes Campos dos Goytacazes (25 e 26 de setembro) e, após o Festival do Rio, de 03 a 13 de outubro, seguirá para o Cineteatro São Luiz, em Fortaleza (12 a 26 de outubro), e para o Cine Bangüê, em João Pessoa (13 a 22 de outubro). Para o próximo ano, já estão confirmadas passagens por Curitiba, Recife, Belém, Porto Velho, Brasília, Manaus, Porto Alegre e Garanhuns (PE).
—O Instituto Cultural Vale está ao lado da Cinemateca por entender a importância da casa da produção audiovisual brasileira, uma das maiores instituições do gênero no mundo, que preserva, também, um retrato da nossa própria identidade. Por isso, atuamos, juntos, em iniciativas pela sustentabilidade e modernização do espaço e pela salvaguarda de seu acervo, em especial, a coleção de filmes em nitrato de celulose, de valor inestimável —diz Hugo Barreto, diretor-presidente do Instituto Cultural Vale, que é patrocinador estratégico da Cinemateca Brasileira.
As ações de itinerância fazem parte do Projeto Viva Cinemateca, lançado em 2023, que reúne os grandes projetos da Cinemateca voltados à recuperação de importantes acervos, além da modernização de sua sede e infraestrutura técnica.
—Com o compromisso constante de transformar vidas, entendemos ser fundamental o fomento à cultura como ponte para o desenvolvimento e a cidadania. O papel que a Cinemateca tem para a construção, fortalecimento e memória do audiovisual brasileiro é inestimável e poder contribuir para um projeto como esse é o nosso legado de parceria junto à sociedade brasileira— comenta Glauco Paiva, gerente-executivo de Comunicação e Responsabilidade Social da Shell Brasil, patrocinadora master do projeto Viva Cinemateca.
As ficções, documentários e animações selecionadas para Resistências Cinematográficas abordam direta e indiretamente os períodos de repressão tão recorrentes na história do país. Em O caso dos irmão Naves (1967), o cineasta Luiz Sergio Person se baseia em um caso real ocorrido em 1937, durante o Estado Novo, para retratar um dos piores erros jurídicos da história do Brasil.
Diversos episódios do governo militar são tema da maioria dos títulos. Inspirados no sequestro do embaixador Charles Burke Elbrick, o nomeado para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, O que é isso, companheiro? (1997), de Bruno Barreto, e a animação, Meu tio José (2021), de Ducca Rios, expõem de maneiras diferentes as consequências dessa ação para negociar a libertação de presos políticos.
O esquema de financiamento da repressão violenta à luta armada é revelado em Cidadão Boilesen (2009), de Chaim Litewski. Essas estratégias e as torturas praticadas pela ditadura são evidentes na versão não censurada de Jardim de guerra (1968), de Neville d’Almeida, e nos importantes relatos presentes nos filmes Libertação de Inês Etienne Romeu (1979), de Norma Bengell, Torre (2017), de Nádia Mangolini, e Vala comum (1994), de João Godoy. Por sua vez, os horrores praticados contra os povos indígenas, ainda pouco conhecidos, são denunciados no filme Arara: Um filme sobre um filme sobrevivente (2017), de Lipe Canêdo.
Já a atmosfera de tensão e a mentalidade dessa época são contextualizadas nas entrelinhas do documentário de Arnaldo Jabor, A opinião pública (1966), na ironia de Pra frente Brasil (1982), de Roberto Farias, e no sensível O ano em que meus país saíram de férias (2006), de Cao Hamburguer.
Outro tema recorrente das obras selecionadas é a luta do movimento operário por melhores condições de trabalho e pela redemocratização do país. Registros essenciais desse movimento popular, que precedeu a anistia política, são encontrados em dois filmes recentemente restaurados pela Cinemateca Brasileira, Greve (1979), de João Batista de Andrade, e A luta do povo (1980), de Renato Tapajós, e ainda no documentário ABC da greve (1979-1990), de Leon Hirszman, que também ficcionalizou o conflito em Eles não usam black-tie (1981).
A mostra oferece também alegorias políticas que examinam a complexidade das estruturas de poder e a opressão. Na fictícia nação latino-americana de Eldorado, Glauber Rocha reflete as tensões políticas, sociais e culturais da época em seu clássico Terra em transe (1967). Também ambientado em um país fictício na América Latina, o curta baseado no conto homônimo de Olney São Paulo, Manhã Cinzenta (1969), critica o autoritarismo com imagens impressionantes das manifestações de rua de 1968. Embora não seja uma metáfora direta contra a ditadura militar, Os fuzis (1964), de Ruy Guerra, trata de temas como opressão, desigualdade social e a relação entre o poder militar e as populações oprimidas.
Em homenagem aos 40 anos do filme e aos dez anos de falecimento do cineasta Eduardo Coutinho, a curadoria inclui novamente Cabra marcado para morrer (1964-1984), cujas filmagens foram interrompidas pelo golpe militar de 1964 e retomadas dezessete anos depois para concluir a trajetória de seus personagens durante os longos anos do regime militar. | Programação: https://cinemateca.org.br e, redes sociais.