O Nordeste, que possui uma robusta produção de energia renovável, pode atrair mais investimentos em novas unidades industriais e de setores eletrointensivos para o Brasil. Essa foi a defesa do CEO da Engie, Mauricio Bähr, na abertura do ENGIE Day, que reuniu cerca de 400 pessoas no Museu do Amanhã, na semana passada. O evento também contou com transmissão ao vivo no Youtube da Engie Brasil.—Nós temos no país uma oportunidade única para contribuir para um planeta mais sustentável. Grande parte da nossa energia está localizada no Nordeste do Brasil, uma região carente de investimentos. Por que, ao invés de construirmos cada vez mais linhas de transmissão para trazer a energia, a gente não leva para lá os investimentos? Podemos atrair data centers para reequilibrar oferta e demanda de energia—argumentou.
O evento contou com a abertura do historiador Leandro Karnal, que apresentou caminhos para lidar com a ansiedade gerada pelas constantes mudanças tecnológicas e com a chegada da inteligência artificial. —Nós temos muito medo da tecnologia, temos medo da mudança. Mas o custo da sobrevivência é a renovação constante. Capacite-se. Leia, estude, busque estar rodeado por pessoas melhores que você. Não mudar é fatal —afirmou.
Custos da conta de energia — O primeiro painel —A matriz energética que queremos” fez uma discussão bastante importante sobre a questão do custo da energia, problema também levantado pelo CEO da ENGIE, que destacou o excesso de subsídios do setor. “Talvez tenhamos passado do ponto com os subsídios. Quando exageramos com o remédio, ele pode virar veneno —disse Bähr.
Segundo Camilla Fernandes, diretora da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage), a questão do preço da energia precisa ser enfrentada, especialmente no Congresso Nacional. —Os consumidores mais ricos recebem 4,3 vezes mais recursos, por meio dos subsídios a painéis solares, do que os da tarifa social, que contemplam as classes mais vulneráveis. Esses subsídios não fazem mais sentido nem do ponto de vista econômico, nem do ponto de vista social. Temos que ter coragem de mudar isso, com ética e responsabilidade —enfatizou.
Heloisa Borges, diretora de Estudos do Petróleo, Gás e Biocombustíveis da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), destacou dados sobre o nível de desigualdade do consumo energético no Brasil. Segundo a executiva, um levantamento da EPE apontou que 26% do consumo energético do Brasil ainda é proveniente de lenha catada, que é um reflexo da pobreza extrema. “Cerca de 80% do consumo energético da população que ganha até dois salários mínimos é feito por meio de lenha catada. Quando a gente compara com a população que ganha acima de dois salários, vemos que 90% do consumo energético é proveniente da rede elétrica. Ou seja, a questão de preço importa e quando falamos em transição energética precisamos colocar a população no centro deste debate”, afirmou.
Mesma opinião tem o vice-presidente da Siemens Energy para a América Latina e presidente do Conselho Administrativo da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB), André Clark. “O setor se afasta do interesse público quando o preço é alto. Não há o que a gente fale. Precisamos pensar em uma política industrial que aproveite nossa matriz verde e tecnológica oferecendo energia para outros países”, disse.
O diretor-comercial e regulatório da Transportadora Associada de Gás – TAG, Ovídio Quintana, destacou a necessidade de equilibrar três pilares fundamentais para o setor elétrico garantir uma matriz energética estratégica para o país: que seja segura, ambientalmente sustentável e economicamente justa. —O Brasil possui diversas fontes e o desafio é não deixar nenhuma delas para trás, tudo gira em torno do equilíbrio. Temos um cardápio de opções e com uma visão integrada podemos tirar o máximo dessa oportunidade de combinação de fontes —afirmou o executivo.
Mesma opinião de Marcos Keller, diretor de Regulação e Estratégia da ENGIE Brasil Energia: —Todos nós, empresas, associações e órgãos públicos temos um papel importante nessas decisões. Há espaço para todas as fontes, mas isso tem que ser feito de maneira racional, pensando também no ponto de vista econômico —afirmou.
Mudanças climáticas — No painel que tratou dos contextos ambiental e econômico das mudanças climáticas, Juliana Falcão, coordenadora da Rede Clima da Indústria da Confederação Nacional da Indústria (CNI) destacou a preocupação da indústria dentro do contexto das mudanças climáticas. —Precisamos entender, primeiro, como vamos tratar o desenvolvimento do país com as questões climáticas. Nós temos o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que vai demandar cimento, aço e outros tipos de minérios e temos também o Plano Clima. Eles precisam conversar —defendeu a executiva, que destacou ainda que a indústria também investe em descarbonização. —O setor de papel e celulose, que investe mais de R$ 100 bilhões no país, tem floresta replantada, tem floresta nativa preservada, é um setor comprometido —afirmou.
Guilherme Spaggiari, gerente de Energia e Fluidos da Ambev América Latina, explicou que a companhia é bastante engajada nos processos para se tornar cada vez mais sustentável e que esse objetivo é cascateado para todos os funcionários. —Para mim, é fundamental que as empresas tenham essa preocupação, do topo até a base, para todos caminharem para o mesmo lugar— explicou, acrescentando ainda que o grande desafio da Ambev é lidar com a descarbonização dos fornecedores.
Flávia Teixeira, gerente de Sustentabilidade e Transição Energética da ENGIE Brasil, que mediou o painel, lembrou o trabalho da ENGIE neste segmento. “Nós temos aqui na ENGIE um programa de descarbonização de fornecedores. Temos uma meta global de 45 milhões de toneladas por ano de descarbonização dos nossos clientes e isso tudo sendo sistematicamente calculado desde o desenvolvimento de projetos, ajudando os nossos clientes a contabilizarem suas emissões”, explicou.
A diretora-geral e professora titular da Coppe/UFRJ, Suzana Kahn, afirmou que o Brasil possui compromissos diferentes porque a matriz energética do país já é majoritariamente limpa: “Nossa principal questão não é a geração de energia renovável. Isso nós já temos. Precisamos pensar caminhos para descarbonizar outros segmentos e as empresas de óleo e gás têm investido muito em pesquisa para o desenvolvimento de novas tecnologias”, afirmou.
Já Luiz Gustavo Bezerra, head de Meio Ambiente, Mudanças Climáticas e ESG na Tauil&Chequer|MayerBrown, destacou que o financiamento climático é fundamental e o Brasil está muito aquém das necessidades. “Temos necessidade de trilhões de dólares em investimentos e agora temos que precificar a mitigação dos efeitos dos eventos climáticos. O evento do Rio Grande do Sul, por exemplo, aumentou o risco financeiro das seguradoras que já tiveram que pagar prêmios de R$ 5 bilhões”, afirmou.
Transição energética justa —Durante o painel sobre Transição Energética Justa, a diretora de Pessoas, Processos e Sustentabilidade da ENGIE Brasil Energia, Luciana Nabarrete, conduziu o debate sobre os desafios e as oportunidades da transição para um futuro energético mais sustentável. A diretora falou sobre a urgência da transição energética, destacando os impactos das mudanças climáticas e a necessidade de uma ação imediata. “Se olharmos na mídia, nas últimas semanas, tudo o que se falou foram sobre os efeitos das mudanças climáticas. Isso traz para a gente que transição energética é um imperativo. Não é mais uma questão se vamos fazer, é uma questão de como vamos fazer.
Carlos Frederico Lucchetti Bingemer, sócio da BMA Advogados, falou sobre a crescente importância do ESG nas relações jurídicas. —Esses temas sempre estiveram presentes em nossas discussões, mas ganharam destaque recentemente, impulsionados pela demanda dos investidores e pelo mercado financeiro—.
Luciana Nicola, diretora de Relações Institucionais e Sustentabilidade do Itaú Unibanco, destacou a necessidade de uma abordagem mais inclusiva. —Precisamos repensar e estimular políticas públicas eficazes. O investimento social privado deve se concentrar na transição justa, especialmente considerando as mudanças climáticas e suas crescentes necessidades—.
A relação entre as empresas e as comunidades no contexto da transição energética foi apresentada por Kamila Camilo, líder do tema “Justiça Climática” no W20 Brasil. —Quando falamos de comunidades, as empresas também são parte desse ecossistema. A mentalidade de “nós e eles” é prejudicial. Precisamos entender que somos todos nós”.
Fernanda Sousa, co-fundadora e head de Operações da Cubos Academy, apresentou dados sobre a diversidade do programa Cubos Academy, apoiado pela Engie. —De um total de bolsas, aproximadamente 69% foram destinadas a pessoas cuja renda familiar mensal era inferior a R$ 3.500 e 44% foram para mulheres na área de tecnologia, que ainda carece de diversidade. Além disso, 40% dos participantes são pessoas negras—. Fernanda destacou, ainda, o papel crucial da educação na transição energética justa. —Quanto mais empresas genuinamente dedicadas a essa transformação, melhor para todos: empresas, sociedade e planeta— finalizou.
Gil Maranhão, diretor de Comunicação e Sustentabilidade da Engie, finalizou o evento com um recado importante: —As pessoas só se engajam naquilo que elas conhecem e entendem. Então, este é o nosso objetivo com o Engie Day, educar, no sentido de trazer mais conhecimento sobre o tema. Se sairmos daqui com nossos espectadores conhecendo um pouco mais sobre a transição energética e tudo o que está em jogo, eles vão passar a se engajar mais e é isso que queremos— afirmou.