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27/08/2024

A investigação da vaza toga: a emenda é pior que o soneto

Certa feita, Manuel du Bocage, poeta português, recebera um soneto de um pretenso poeta com pedido para que o corrigisse, marcando com cruzes os erros que, porventura viesse a encontrar. Após sua leitura, Bocage devolveu o soneto sem nenhuma marcação. Feliz, o pretenso escritor indagou: “- Não encontrastes nada a corrigir? Bocage, então, respondera: há tantos erros que a emenda seria pior que o soneto”.

O ministro Alexandre de Moraes, há tempos tem recebido críticas por agir em processos/inquéritos em que figura como vítima, acusador e julgador ao mesmo tempo, o que contraria a legislação pátria.

Exageros à parte, certo é que nas últimas semanas o jornal Folha de São Paulo publicou diversas conversas vazadas (WhatsApp) de seus principais assessores do Tribunal Superior Eleitoral (quando sua excelência era presidente) e do Supremo Tribunal Federal. As conversas, ao que tudo indica, permitem a desconfiança de que o ministro condutor do inquérito das fake news no STF se utilizou do órgão de combate a desinformação do TSE (até então por ele presidido) para fazer provas no inquérito por ele assistido, informalmente.

Como se não bastasse a “informalidade”, o que causa estranheza são os teores das conversas, a exemplo do pedido de que o relatório elaborado pelo perito do TSE, Eduardo Taglaferro, fosse encaminhado ao STF não por ordem do ministro, mas de outro funcionário do TSE.

Mensagem de Airton Vieira (assessor de Moraes no STF) ao Eduardo Taglaferro (perito do TSE): “…colocar como de ordem do doutor Marco Antônio. Porque atualmente o ministro passa por uma fase difícil e qualquer detalhe, qualquer peninha, pode virar amanhã ou depois mais um objeto de dor de cabeça pra ele. Então, ficaria para todos os fins que é de ordem do doutor Marco, que ele manda enviar para a gente e aí tudo bem. Ninguém vai poder questionar nada etc., ou falar ‘de onde surgiu isso?’, “caiu do céu?’, ‘a pedido de quem?’ etc.”

Os próprios assessores do ministro Alexandre de Moraes, conforme as conversas vazadas, demonstraram preocupação com a maneira em que eram requisitadas as informações: “Formalmente, se alguém for questionar, vai ficar uma coisa muito descarada, digamos assim. Como um juiz instrutor do Supremo manda [um pedido] pra alguém lotado no TSE e esse alguém, sem mais nem menos, obedece e manda um relatório, entendeu? Ficaria chato.”

Há indícios, inclusive, de que o ministro utilizava o TSE para elaborar relatório no intuito de atingir e perseguir pessoas específicas, como é o caso da Revista Oeste. Airton Vieira (STF) mandou mensagem para Eduardo Tagliaferro com o link da Revista Oeste: “Vamos levantar todas essas revistas golpistas para desmonetizar nas redes”; “Essa (Revista Oeste) e outras do mesmo estilo”.

Após fazer o levantamento requestado, Eduardo respondeu à Airton que haveria apenas informações jornalísticas na Oeste e indagou o que deveria ser feito, obtendo como resposta: “Use a sua criatividade…rsrsrs”. Pegue uma ou outra fala, opinião mais ácida e… O ministro entendeu que está extrapolando com base naquilo que enviou.” Em resposta, Eduardo expressou: “Vou dar um jeito.”

Todos estes vazamentos colocam em xeque a credibilidade do inquérito das fake news, a imparcialidade do seu condutor, assim como sua legalidade, sendo passível de nulidade o que restou processado.

Em uma tentativa de punir os responsáveis pelos vazamentos que tanto repercutiram e ainda vão repercutir como uma bomba no STF, o ministro Alexandre de Moraes procurou uma “Emenda que pode ficar pior que o soneto”, plagiando a história do poeta português. Isto porque, Alexandre de Moraes, vítima dos nefastos vazamentos, de ofício, determinou à Polícia Federal que abrisse inquérito para apurar o responsável pela exposição das mensagens de seus assessores.

Em um contorcionismo narrativo/jurídico, com o devido respeito, em esforço de retórica, o ministro entendeu que a nova investigação está relacionada ao inquérito das fakes news.

Segundo reportagem do jornal A Folha de São Paulo, escreveu o Ministro: “O vazamento e a divulgação de mensagens particulares trocadas entre servidores dos referidos Tribunais se revelam como novos indícios da atuação estruturada de uma possível organização criminosa que tem por um de seus fins desestabilizar as instituições republicanas”.

“Essa organização criminosa, ostensivamente, atenta contra a Democracia e o Estado de Direito, especificamente contra o Poder Judiciário e em especial contra o Supremo Tribunal Federal, pleiteando a cassação de seus membros e o próprio fechamento da Corte Máxima do País, com o retorno da ditadura e o afastamento da fiel observância da Constituição Federal” – grifou-se. (https://shre.ink/DnbL)

Ora, é de sabença geral que o movimento surgido, após os vazamentos, não vislumbra o fechamento da Corte Maior e os pedidos de impedimentos são direcionados ao próprio ministro e não aos demais membros, o que, a meu ver, impediria Alexandre de presidir o inquérito. Faço coro ao entendimento do ministro Marco Aurelio (ADPF 572), que, expressamente, consignou “que não pode a vítima instaurar inquérito”.

Apesar de acreditar que o vazamento deve ser investigado por pessoas competentes (não a vítima), entendo que a Justiça deveria estar mais preocupada com o teor das mensagens do que com a punição do mensageiro, em alusão ao provérbio latino que diz “Ne nuntium necare” ou “Não mate o mensageiro” (expressão surgida de relatos que Gengis Khan matava o mensageiro que lhe trazia más notícias).

Ao determinar a abertura do inquérito, o ministro Alexandre de Moraes reforça a imagem de vítima, acusador, perseguidor e julgador ao mesmo tempo, figuras incompatíveis com ordenamento jurídico penal e constitucional, tornando a emenda pior que o soneto, deixando transparecer, ao menos pelas informações jornalísticas, tratar-se de uma perseguição e não de apuração de uma possível conduta delitiva.

Tenho dito!!!

Por: Bady Curi Neto, advogado fundador do Escritório Bady Curi Advocacia Empresarial, ex-juiz do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG) e professor universitário.