Por ocasião do Dia do Advogado, celebrado no último domingo, 11 de agosto, entendi que seria oportuno escrever este artigo, abordando um pouco do meu processo de encontro com o Direito e a profissão de advogado.
Esse encontro não se deu pela via vocacional: apesar de hoje o Direito ser algo que corre em minhas veias, não foi a minha primeira escolha de carreira.
Muito anos atrás, ao final da minha adolescência, quando diante da pergunta sobre “o que você vai ser quando crescer?”, na ingenuidade daqueles tempos eu respondia muita coisa: médico, engenheiro, veterinário… nunca advogado.
Apaixonado por física como eu era na época (e poderia dizer que ainda sou…, como era e ainda sou em relação a tantos outros assuntos), cheguei a iniciar um curso de engenharia elétrica na Unesp, campus de Bauru, que eu abandonaria (como de fato abandonei) pouco mais de um ano depois de tê-lo iniciado.
Faltava-me naquele curso algo que me dei conta somente em 1993, quando iniciei minha jornada de estudante na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (a “Sanfran” para os íntimos): um terreno fértil para se debater política, economia, história, literatura, cinema, teatro, música, filosofia, psicanálise, entre tantos outros assuntos.
Evidentemente, salvo por uma ou outra matéria (como economia, por exemplo), nenhum curso de Direito abordará em sua grade todos esses campos do conhecimento. Via de regra, em um curso tradicional, teremos aulas de Direito civil, comercial, penal, processo civil e penal, tributário, entre outras, todas pertencentes ao conjunto do Direito.
Mas o curso, qualquer que seja, também vale pelos encontros que promove entre os alunos, e nesse aspecto a Sanfran foi única, ao menos na minha experiência.
Não é incomum ouvir, de profissionais que se formaram, que a faculdade não nos prepara para o exercício da profissão. Essa afirmação não me parece ser de todo falsa, e creio que não seja aplicável apenas à advocacia: qualquer profissão que tenha base universitária encontra nas cadeiras da universidade apenas uma “introdução”. Em geral, só vamos mesmo conhecer a fundo a profissão ao exercê-la; um conhecimento que cresce à medida em que também aumenta o nosso tempo de exercício daquela profissão.
O único atalho, se é que assim podemos chamar, seria aliar o trabalho a uma forte e consistente rotina de estudos.
Hoje, passados mais de vinte anos de exercício dessa nobre profissão, talvez o maior aprendizado que eu tenha para compartilhar não seja técnico (ainda que neste aspecto também haja muito a oferecer): não está diretamente ligado às matérias do Direito que, ao longo da minha carreira, pude ter um contato (teórico e prático) mais próximo, a ponto de poder me atribuir humildemente um caráter de especialista.
O maior aprendizado que eu teria para compartilhar, e que faz parte da minha própria jornada, é que, para além do conhecimento técnico do Direito (que seria o mais básico), o bom profissional da área é construído a partir de muitos tijolos de conhecimento humanístico: é preciso ir além daquilo que os livros de direito ensinam e aprender também com outras fontes de conhecimento, outros livros.
E que livros seriam esses? Ao longo da minha carreira, por inúmeras vezes foi-me exigido atuar como líder de outros profissionais da área e, para estes, a minha recomendação sempre foi: conheçam o negócio do cliente, aprofundem-se nas dores e questões que estão por trás da letra fria de um documento que lhes é apresentado para revisão ou que lhes pedem para elaborar; procurem ir além do que está mais à vista dos olhos. Por trás de um pedido que um cliente lhe apresenta, há um drama humano para o qual o Direito, de alguma forma, vai servir como instrumento de pacificação.
Essa é, digamos assim, a raison d’être da atuação do advogado, a razão pela qual é chamado a atuar nesta ou naquela questão. Esse seria o primeiro livro.
Há ainda um outro, talvez de leitura mais complexa, mas que serve de complemento ao primeiro: ao fim e ao cabo, como ciência social, humana, o Direito lida com questões que só existem porque somos humanos e vivemos em sociedade. Logo, para bem operá-lo, temos que entender de gente.
E esse entendimento está longe de ser algo simples ou elementar: é enciclopédico.
Imaginemos, apenas para fins de ilustração, uma operação de fusão e aquisição (M&A). Sim, são CNPJs que, de uma forma ou outra, combinam-se para formar uma nova estrutura societária. Mas por trás desse negócio jurídico, copiados nos e-mails do seu working group list, sob um nome em geral inusitado, escolhido para preservar o sigilo da operação, estão pessoas, CPFs, cada um com sua própria personalidade, sonhos, angústias, tudo enfim que nos faz humanos. É complexo.
Saber lidar com essa complexidade é parte fundamental do trabalho do advogado.
Este seria o momento oportuno que alguém poderia então perguntar: Ora, mas qual seria o caminho a se percorrer para entender de gente? Bem, antes de mais nada, é preciso dizer que não acredito que exista um único caminho. Pode ser que existam vários.
Posso falar sobre aqueles que percorri (e nos quais acredito): leia literatura (prosa, poesia, biografias etc.), jornais, revistas diversos, assista filmes, novos e antigos, mas de qualquer forma incluindo produções fora do circuito hollywoodiano e suas narrativas lineares (a vida não é linear…), encontre pessoas diversas, saia da bolha, viaje o quanto puder, tenha acesso a novas culturas, vivências múltiplas, estude filosofia, psicologia, faça cursos fora do Direito (no passado, fiz teatro e me apaixonei pela dinâmica do palco), até para poder promover os encontros a que me referi acima.
Conhecer gente é uma tarefa complexa e multifacetada na mesma medida em que somos, nós todos também, complexos e multifacetados.
Esse conhecimento, que leva tempo e exige dedicação (e paixão!), também é o alicerce de duas outras habilidades que são fundamentais ao advogado: estratégia e negociação.
Para além de todos os demais ganhos de potência que podemos alcançar na carreira do Direito, são esses conhecimentos, afinal, que poderão permitir ao advogado enxergar, para ficarmos em um único exemplo, a inteligência artificial como mais um instrumento de trabalho, e não, como vaticinam alguns, uma ameaça.
• Por: Farley Menezes, Counsel no Cascione Advogados e conselheiro para o Mercado Imobiliário.