O setor cafeeiro, que historicamente tem sido um pilar econômico para muitos países da América do Sul, está enfrentando uma transformação significativa. Com a crescente conscientização global sobre as questões ambientais e sociais, produtores de café estão sendo pressionados a adotar práticas mais sustentáveis. A boa notícia é que muitos já estão abraçando essa mudança, implementando práticas que não apenas melhoram a qualidade do café, mas também contribuem para um futuro mais equitativo e ecologicamente consciente.
Nossa região lidera a indústria mundial de café, e a adoção de práticas sustentáveis é particularmente notável. Por exemplo, no Brasil, maior produtor mundial do grão, a diversidade de qualidades e sabores, aliada ao crescimento na produção, tem permitido ao país ocupar uma parcela de cerca de 40% do mercado global. Além disso, ele tem investido no uso racional dos recursos hídricos, do melhoramento genético e manejo específico, que resultam em um produto de maior valor agregado e de alta qualidade.
Essa evolução também possibilita ao setor a aquisição de certificados que atestam essas boas práticas. A Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA), por exemplo, avalia que cafés com certificados socioambientais já representam mais de 15% da produção brasileira, com 60 milhões de sacas por ano. Para o agricultor, as certificações trazem uma gama de benefícios uma vez que estimulam a melhoria de práticas sustentáveis no campo, abrindo novos mercados e agregando valor ao produto diante de um mercado extremamente exigente e competitivo.
Outro ponto é que elas permitem a rastreabilidade da cadeia de valor, da lavoura à indústria. Esse é o aspecto crucial do setor daqui para frente. As boas práticas sustentáveis não dizem respeito apenas à preservação ambiental, mas, sim, do planejamento de toda cadeia de produção a fim de viabilizá-la econômica, social e ambientalmente, proporcionando bons resultados que sustentem sua existência no futuro.
Na Colômbia, mundialmente conhecida pela qualidade de seu café, a preocupação do setor com as condições de produção é evidente. O país é o segundo na América do Sul com o maior número de produtores com o selo Fair Trade (comércio justo), que assegura que os grãos foram produzidos respeitando direitos humanos e legislações do trabalho. No país, cerca de 257 cooperativas e associações de produtores possuem o selo, contra apenas 54 no Brasil.
Mesmo que a comprovação das ações de sustentabilidade seja altamente relevante, principalmente com a chegada de demandas internacionais, vale ressaltar que, apesar dos consumidores brasileiros declararem em diversas pesquisas a preferência por produtos de empresas com responsabilidade social e ambiental em suas cadeias, essa atitude muitas vezes não se reflete na prática. Desta forma, um dos desafios também é quanto ao reconhecimento e valorização dos selos.
A complexidade está na garantia de manutenção das práticas o tempo todo, principalmente nos períodos de maior demanda, como na colheita. O selo deve assegurar rastreabilidade e acompanhar os avanços na cafeicultura da região, aliado aos desafios da cadeia de custódia do café e especificidades de cada país produtor.
Pensando que a agricultura sustentável viabiliza mudanças em todo o processo de produção – desde o plantio até o produto final -, casos como o do café, que representa uma das culturas agrícolas que mais progrediram em termos de sustentabilidade, servem como exemplo para expandir iniciativas para os demais segmentos.
Planejar as ações com intencionalidade e medir o bom impacto já gerado pela produção de café, seja para as pessoas, seja para o meio ambiente, é um ponto que deve ter continuidade pelos produtores. A liderança global da América do Sul permite que sejamos referência para outros países fora da região. E, por isso, é necessário um esforço de comunicação em todos os momentos: da porteira para dentro e, depois, da porteira para fora, até chegar na xícara. Valorizar os indivíduos dessa cadeia que fazem acontecer proporciona reconhecimento de uma cultura que vem se renovando e tem apenas a crescer com o tempo.
• Por: Ana Paula Almeida, Engenheira Ambiental e Analista de Sustentabilidade na Fundação Eco+ .
• Por: Paula Tavares, Bióloga, mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos, sócia na MFT Conagro.