Depois de décadas de tentativas frustradas, finalmente começa a se concretizar a reforma tributária brasileira. A Emenda Constitucional 132/2023 foi promulgada pelo Congresso Nacional em dezembro do ano passado e, desde então, muita coisa vem sendo discutida sobre seus impactos para o consumidor e para as empresas. E embora esta reforma precise ser regulamentada por leis complementares e tenha ainda um longo período de transição pela frente, uma coisa é certa: as empresas já podem – e devem – começar a se preparar.
Entre os principais objetivos da reforma está a unificação de impostos sobre o consumo de estados e municípios. A ideia é simplificar a tributação, dar mais transparência ao processo de arrecadação e acabar com a guerra fiscal. Para isso, haverá a conversão de cinco tributos em apenas dois.
Assim, ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins deixam de existir e passam a fazer parte de um tributo federal chamado CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e de outro estadual/municipal chamado IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). Na prática, essas duas novas categorias formam uma modalidade de tributo chamado IVA (Imposto sobre Valor Agregado), que já é adotado por 174 países no mundo, sendo, inclusive, obrigatório para os membros da União Europeia.
A CBS e o IBS terão as mesmas regras, tanto nas incidências quanto nas exceções relativas à alíquota geral, que ainda não está definida, mas tem estimativa do Ministério da Fazenda de ser em torno de 27,5%. Mas seja qual for a alíquota padrão, ela terá diferentes reduções para alguns setores e será zerada para outros. Cadeias produtivas curtas – com poucas etapas entre o produtor e o consumidor final –, que tendem a ser mais prejudicadas, poderão ter redução de 40%, profissionais liberais 70%, e produtos da cesta básica, alguns medicamentos, entre outros, serão isentos.
A reforma também planeja implementar uma sobretaxa em produtos e serviços que sejam considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, como bebidas açucaradas e alcoólicas, cigarros, veículos poluentes e bens minerais extraídos, como minério de ferro, petróleo e gás natural.
Empresas já podem se preparar — Uma pesquisa realizada pela Deloitte com 172 empresas mostrou que menos da metade já elaborou algum tipo de estudo para avaliar os impactos da reforma tributária em seus negócios. Muitas dizem aguardar a regulamentação das regras dos impostos, mas já é possível traçar cenários e alinhar opções de ações a serem tomadas.
Ainda que a maior parte das empresas pesquisadas acredite que a reforma irá simplificar os impostos e dar mais transparência para a arrecadação, muitas temem seus impactos. Entre os maiores temores estão o aumento de custos, a perda de incentivos, a insegurança jurídica, a redução do crédito e o aumento da carga tributária. São circunstâncias que podem gerar uma redução de margens e a necessidade de aumento de preço ao consumidor final, com perda de competitividade.
É justamente a partir de cenários possíveis que as empresas podem se preparar. Um exemplo é a perda de incentivos fiscais, já que este é um dos pontos básicos da reforma. Não é preciso esperar a regulamentação para planejar formas de compensar essas perdas porque os efeitos disso já são previsíveis e mensuráveis. É claro que não estou falando de tomar ações imediatas, porque isso realmente depende dos detalhes que serão definidos nos próximos anos, mas de ter opções na mesa que deem agilidade de adaptação quando o cenário se definir.
Um bom ponto de partida é ter em perspectiva em qual etapa da cadeia produtiva seu negócio opera, porque com as novas dinâmicas tributárias isso será crucial para calcular o impacto dos novos tributos, baseados agora em maior valor agregado.
O setor de serviços, por exemplo, tem grandes chances de ser mais tributado com a reforma. Por isso, é imprescindível que as empresas tenham clareza de quais são suas margens atuais e como gerenciar uma eventual perda. Será com repasse de preços? Redução de custos? É preciso ter algumas respostas pré-definidas.
Tecnologia e qualificação — Como toda mudança, a reforma tributária traz desafios, mas também oportunidades e os meios para distingui-los e tomar a melhor decisão depende de dois fatores: tecnologia e profissionais qualificados.
Mesmo que o propósito dessa reforma seja simplificar a tributação, esse é um tema que nunca será realmente simples e isso demanda pessoas especializadas, com capacidade de análise que vá além de cálculos e inclua visão estratégica. Ao mesmo tempo, o uso de tecnologia aplicada para a gestão fiscal pode ser um diferencial capaz de dar agilidade na identificação de ameaças com maior visibilidade de saídas alternativas diante dos novos cenários.
A principal mensagem aqui é não esperar demais para traçar uma rota de adaptação às mudanças que virão. A base de como toda a estrutura tributária brasileira será daqui a alguns anos já está definida e o processo já está em andamento. Agora cabe às empresas encontrarem a melhor forma de responder à esta transformação.
• Por: Fernando Silvestre, Diretor de Operações da Blend IT.