Uma análise sobre o caso do Rio de Janeiro e uma possível inconstitucionalidade à luz do Pacto Federativo.
A reforma tributária aprovada pela Emenda Constitucional (“EC”) nº 132 permite aos Estados que possuíam, em 30.04.2023, fundos destinados a investimentos em obras de infraestrutura e habitação, financiados por contribuições sobre produtos primários e semielaborados como condição à aplicação de benefícios fiscais relativos ao ICMS, a instituírem contribuições semelhantes, a vigorar até 31.12.2043.
O Estado do Rio de Janeiro possui atualmente o denominado Fundo Orçamentário Temporário (“FOT”), fundo estadual voltado ao equilíbrio das finanças estaduais e que é financiado por depósitos dos contribuintes como condição à fruição de benefícios fiscais. O valor a ser depositado corresponde a 10% (dez por cento) do benefício fiscal de ICMS concedido.
Nosso objetivo é analisar se o Estado do Rio de Janeiro poderá instituir as sobreditas contribuições semelhantes aos depósitos do FOT com base na EC nº 132 e, caso não possa, se tal vedação evidenciaria uma discriminação injustificada entre os Estados a ser oportunamente apreciada pelo Supremo Tribunal Federal (“STF”) à luz do princípio federativo.
Convém inicialmente destacar que o STF já se manifestou em outras oportunidades sobre a natureza desses depósitos a fundos estaduais como condição a benefícios fiscais, como no caso do FUNDEINFRA do Estado de Goiás (ADI nº 7.363) e do Fundersul do Estado do Mato Grosso do Sul (ADI nº 2.056).
O STF apreciou se os referidos depósitos, por estarem vinculados a fundos estaduais, seriam constitucionalmente vedados por vincular receitas de impostos a fundos. O STF entendeu, nos precedentes citados acima, que os referidos depósitos a fundos não seriam vedados por não possuírem natureza tributária, mas sim de uma contribuição voluntária feita pelo contribuinte como condição à fruição de benefício fiscal.
O caso do FOT seria diferente, pois o valor depositado corresponde a 10% do benefício de ICMS. De acordo com o STF e com as alegações do próprio Estado do Rio de Janeiro na ADI nº 5.635, o valor depositado no FOT corresponderia ao próprio ICMS, portanto, de natureza tributária. Apesar disso, como o FOT não possuiria uma destinação específica (ex.: obras de infraestrutura), os depósitos nele realizados continuariam não esbarrando na vedação de vinculação de receitas de impostos a fundos.
De toda forma, considerando que o FOT corresponde a uma parcela do próprio ICMS, tributo que será extinto pela reforma tributária, os depósitos ao FOT deveriam ser extintos juntamente com o ICMS. Além disso, o FOT não possui destinação para financiamento de obras de infraestrutura e habitação, portanto também não preencheria os requisitos para a instituição de contribuições semelhantes ao FOT no cenário pós-reforma.
Ocorre que o tema deverá despertar outra questão.
Como visto, o STF geralmente qualifica como contribuição voluntária, de natureza não-tributária, os depósitos realizados por contribuintes a fundos como condição à fruição de benefícios fiscais. Portanto, seria de se esperar que as ditas contribuições semelhantes ostentassem a mesma natureza – de contribuição voluntária, de natureza não-tributária.
Ocorre que isto dificilmente será possível, pois os novos tributos instituídos pela reforma tributária (especialmente o IBS) não poderão ser objeto de benefícios fiscais. Em outros termos, os Estados que hoje exigem depósitos como condição à fruição de benefícios fiscais não poderão mais fazê-lo.
Assim, as contribuições semelhantes deverão perder seu aspecto de voluntariedade pela ausência de contrapartida possível pelos Estados. Isso porque as contribuições semelhantes não deverão mais ser exigidas como contrapartida à concessão de benefícios fiscais, mas como decorrência da prática de um fato gerador pelo contribuinte (que a EC não esclarece qual) e que dispararia a obrigação de recolher as contribuições semelhantes.
Neste contexto, as contribuições semelhantes – que deverão ser, ironicamente, de todo diversas dos depósitos geralmente exigidos como contrapartida a benefícios fiscais – deverão passar a ter caráter tributário, cujo produto da arrecadação será destinado a projetos de infraestrutura e habitação, aparentando possuir características de uma CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) visando a intervenção do Estado na economia, no caso, infraestrutura e habitação, competência antes outorgada apenas à União (art. 149 da CF) ou aos Municípios para custeio dos serviços de iluminação pública ou limpeza de logradouros públicos (art. 149-A da CF).
E a reflexão proposta é a de saber se poderia a EC nº 132 prever uma competência tributária para uns Estados e, para outros, não. A se confirmar a perda de voluntariedade das referidas contribuições semelhantes e a sua natureza tributária, haveria de se indagar se tal competência deveria ser estendida a todos os Estados, sob pena de uma discriminação de competências tributárias entre os entes do mesmo nível federativo, inclusive porque todos os Estados ficarão vedados de instituir benefícios fiscais.
Portanto, entendemos que o FOT não justifica a instituição pelo Estado do Rio de Janeiro de contribuições semelhantes a ele com base no texto promulgado da EC nº 132 pela ausência dos requisitos necessários à sua instituição. Por outro lado, acreditamos ser discutível o critério utilizado pela EC nº 132 para a delimitação da competência para a instituição das referidas contribuições semelhantes à luz do princípio federativo.
. Por: Rodrigo Pinheiro, Advogado tributarista e sócio do Schmidt Valois Advogados.