O que já é e o que ainda precisa ser realidade para que o mundo tenha aço sem emissões de CO2, como prevê o Acordo de Paris.
A produção do aço gera de 7% a 9% das emissões globais de CO2 e consome cerca de 8% da energia do planeta, sendo um segmento de difícil descarbonização, mas que, apesar disso, está determinado a se descarbonizar.
A siderurgia está entre os signatários do Acordo de Paris, de forma que tem diante de si a meta de ser neutra em emissões até 2050, condição que, no entanto, só será atingida se o setor conseguir fazer uma profunda transformação tecnológica para mitigar emissões e ser mais eficiente, o que já está em curso.
De forma muito simplificada, o aço é formado pela mistura do minério de ferro, por vezes sucata, e uma fonte de carbono, geralmente carvão em fornos que, na maior parte do mundo, ainda funcionam a carvão mineral. No forno, esses materiais são fundidos numa primeira versão de aço líquido, que recebe a adição de cal viva para aglutinar e remover rejeitos indesejáveis e só então ser resfriado, laminado e transformado industrialmente em sua aplicação final.
Nesse processo, inevitavelmente há emissões. A extração do minério de ferro está, inclusive, entre as atividades de difícil descarbonização. A produção de carvão e cal viva também geram emissões consideráveis. A laminação e transformação final do aço demandam grande quantidade de energia, na maioria das vezes de origem fóssil. Mas nada se compara à queima de carvão mineral em altos-fornos, responsável pela quase totalidade da pegada de carbono do metal, razão pela qual o setor busca urgentemente descarbonizar essa etapa.
Pelo mundo, muitas são as siderúrgicas que vêm conseguindo substituir o carvão mineral por fontes menos poluentes. A brasileira Aperam, por exemplo, planta 100 mil hectares de florestas com a finalidade principal de abastecer seus altos-fornos, diminuindo significativamente suas emissões pelo fato de as florestas também sequestrarem e fixarem carbono no solo, enquanto planeja a adoção do hidrogênio verde como fonte energética de suas linhas, quando o combustível estiver mais amplamente disponível.
A americana Boston Metal e a sueca SSAB estão entre as primeiras do mundo a utilizar fornos de arco-elétrico que fazem aço líquido a partir do arco de eletricidade com pegada de carbono até 95% menor em relação ao alto-forno de carvão mineral. O forno de arco-elétrico, contudo, é de difícil implementação em muitas partes do mundo por depender de eletricidade abundante, barata e necessariamente de origem limpa (eólica, solar e hidrogênio verde) para fazer sentido.
Ao menos esses exemplos comprovam a existência de tecnologias viáveis para reduzir e mitigar emissões. O gargalo para a adoção de fornos de arco-elétrico na indústria siderúrgica global ainda está relacionado à baixa oferta de energia limpa. Só 12% da matriz energética global é energia eólica e solar, fontes que podem efetivamente serem expandidas sem o impacto ambiental da hidroeletricidade. A disponibilidade de hidrogênio verde também vem crescendo, mas ainda longe de se efetivar como alternativa.
Tanto é assim que os exemplos citados, a Boston Metal e a SSAB, têm linhas produtivas de aço verde que funcionam como projetos-pilotos, viabilizados por acordos com geradoras de energia limpa, que lhes garantem o suprimento para um mínimo de operações. A empresa sueca, por exemplo, espera conseguir implantar uma linha produtiva de aço verde em escala comercial só em 2026, mas o plano é factível.
Além disso, essas empresas encontraram clientes dispostos a pagar um prêmio por seu aço verde e financiar o custo produtivo objetivamente mais alto nesse momento de transição. Claro que não se trata da realidade de todas as empresas, mas isso, em si, é um ótimo sinal, pois mostra que a indústria siderúrgica e seus clientes já decidiram abraçar a descarbonização do metal.
Também é preciso destacar as iniciativas de descarbonização que vêm acontecendo na etapa da mineração, onde há pesquisa em curso para desenvolver métodos de beneficiamento de minério de ferro para facilitar sua conversão em aço na planta siderúrgica, com menor uso de energia e emissões de CO2.
A indiana Tata Steel, por exemplo, desenvolveu num custo que faz sentido um processo que transforma minério de ferro em pó, mais puro, capaz de reduzir emissões no alto-forno em até 10%, enquanto moderniza seus equipamentos para operar com gás natural, menos poluente do que o carvão mineral, perseguindo a meta de ser neutra em carbono até 2045.
A mineradora sueca LKAB também desenvolveu um método de enriquecimento de minério que retira parte das impurezas ainda na mina. Esse método foi, inclusive, usado para produzir o primeiro lote de aço sem emissões do mundo em 2021, fundido em fornos de arco-elétrico operados pela SSAB e, por fim, adquirido pelo Grupo Volvo.
A brasileira Vale também desenvolveu um método de briquetagem de minério ferro, que basicamente produz briquetes com maior teor de ferro e permite reduzir emissões em alto-fornos em 10%. Há também esforços para reduzir a pegada de carbono da cal viva, usada para agregar escória no aço líquido.
Essas ações, ressalto, já dão ao setor siderúrgico a perspectiva de produzir aço de emissões líquidas zeradas, mas não sem muito investimento. Aí se tornam muito importantes os esforços de digitalização e automação das operações siderúrgicas que podem, inclusive, gerar capital extra para financiar a transição e fazer a conta fechar.
A estratégia de buscar mais eficiência tem se mostrado relevante especialmente entre as siderúrgicas chinesas, que, sem acesso a quantidades relevantes de hidrogênio verde e eletricidade limpa, têm buscado construir e modernizar plantas com soluções digitais e de automação, otimizando operações dos pontos de vista financeiro e ambiental.
Esse olhar rumo à digitalização vem permitindo a várias empresas no país asiático enxergar e corrigir uma série de perdas e ineficiências que muitas plantas no mundo só vão perceber quando elas mesmas intensificarem seus processos de automação.
Para se ter uma ideia do impacto, a adoção de um único equipamento, o misturador eletromagnético, instalado em fornos para homogeneizar a composição do aço líquido, já se mostra capaz de reduzir o consumo de energia na unidade entre 3% e 5%.
Pode parecer pouco, mas ao longo dos anos, essa economia representa milhões de dólares em lucro, que justificam não só o investimento do equipamento, mas também permitem às empresas fazerem aportes para reduzir a pegada de carbono em outras etapas.
É certo que muito ainda tem de ser feito para que o aço verde seja realidade no mercado mundial. Mas, felizmente, essa transformação está ocorrendo e, além disso, com todos os indícios de que será um processo sem volta para o bem da vida no planeta.
. Por: Luis Pinchete, Gerente da linha de negócios de metais da ABB para América Latina.