Pode soar surpreendente, mas são os microrganismos os agentes mais capacitados para tratar da água de forma natural. A escolha das bactérias ‘do bem’ na gestão de efluentes tem sido adotada como estratégia sustentável por concessionárias, indústrias e até pequenos negócios e edifícios residenciais. É como convocar a própria natureza para ajudar a limpar a bagunça que fizemos com um bem que ela nos fornece.
O drama da água contaminada no planeta é devastador. De acordo com o último relatório divulgado pela Organização Mundial da Saúde, em 2022, ao menos 1,7 bilhão de pessoas utilizaram uma fonte de água potável contaminada com fezes, tendo consequências gastrointestinais em milhões de pessoas. O mesmo levantamento aponta que mais de 2 bilhões de cidadãos vivem em países com escassez de água, situação agravada em diversas regiões, por conta das alterações climáticas e do crescimento populacional.
Basicamente, os microrganismos são inseridos em tanques de efluentes industriais, em caixas de gordura de restaurantes, em ralos entupidos e até mesmo em rios, como já foi realizado, no passado, testes positivos para tratar o gigante Pinheiros, em São Paulo, obtendo resultados extremamente significativos.
As bactérias concebidas para diferentes missões, devoram ou degradam a matéria orgânica a ser ‘purificada’, promovendo o tratamento do efluente, ou da água poluída. É uma síntese coloquial da aplicação da biotecnologia no líquido que será descartado em mananciais ou que será reutilizado, podendo até conceber água potável, dependendo da complexidade do tratamento.
A biotecnologia nas águas de indústrias permite a redução de até 30% do uso de químicos, algo cada vez mais buscado por empresas que investem em ESG. Ela permite que haja um aumento da capacidade de tratamento, mantendo a eficiência do sistema, sem ter a necessidade imediata de ampliação das operações. Os microrganismos auxiliam na degradação de carga e mantêm o equilíbrio, mesmo que ocorram oscilações nos volumes de efluentes.
Com a aplicação de microrganismos, há uma redução nas falhas de tratamentos, o que contribui para que o efluente seja sempre lançado com as menores cargas possíveis, diminuindo drasticamente a contaminação de rios.
Aplicar bactérias em águas degradadas promove ainda outros benefícios, como a redução de odores, aumento da capacidade de tratamento, enquadramento nos parâmetros legais de descarte, diminuição dos níveis de oxigenação do sistema e, o mais almejado pelas indústrias, a redução da necessidade de manutenções da estação. Tudo isso somado, se transforma em ganhos econômicos e de imagem positiva da empresa diante do mercado e das comunidades ao redor.
Os blends de microrganismos podem entrar em ação em indústrias de laticínios, frigoríficos, têxtil (que consome muita água), além das concessionárias de saneamento que as utilizam como parte do processo de purificação de seus tanques de tratamentos.
Colocar a biotecnologia no holofote das políticas de saneamento básico é fundamental para a promoção de práticas de gestão hídrica sustentáveis. Não apenas em gigantes como Sabesp ou Cedae (RJ), mas também em prefeituras que possam tratar de lagos e rios de forma natural, apenas com bactérias do bem.
A atuação desses microrganismos, por exemplo, em um lago comprometido faz com que os níveis de oxigênio sejam elevados de forma tão significativa que em um período curto de tratamento é possível obter a despoluição de modo completo e economicamente responsável.
O Brasil tem um descomunal desafio de levar água potável aos mais de 200 milhões de cidadãos em todo o país, tratando seus efluentes, além de cuidar como guardião de nossos rios e mananciais. Há inúmeras tecnologias para atingir essa meta de modo eficaz, acelerado e que não cause impactos ao meio ambiente. A biotecnologia precisa ser inserida como elemento intrínseco das políticas públicas de saneamento e gestão dos recursos hídricos. Em biofábricas espalhadas pelo país, temos exércitos de microrganismos vivos apenas aguardando a missão de ressuscitar águas que outrora foram castigadas pela atuação do homem.
. Por: Monique Zorzim, engenheira ambiental e gerente de novos negócios da Superbac – [email protected]