Que exploram a imagem como presença em fotos e filmes.
A mostra reúne fotos e filmes da época em que a artista viveu em Milão, Londres e Nova York. Pouco conhecidas no Brasil, as obras também abordam temas como o movimento e a passagem do tempo. Organizada e já exibida pelo Instituto Moreira Salles em São Paulo, a exposição apresenta 18 sequências fotográficas, 9 filmes e 3 instalações.
Na década de 1970, Iole de Freitas vivia em Milão, em um ambiente de efervescência política e cultural; as galerias e museus da cidade mostravam obras da arte povera, da bodyart e da arte conceitual, e artistas mulheres ganhavam inédita proeminência no circuito de arte.Iole, que ficaria conhecida posteriormente sobretudo por sua produção escultórica, vinha de uma experiência de 18 anos com dança contemporânea e, na cidade italiana, começava a se lançar a performances silenciosas, sem audiência, nas quais se fotografava ou se filmava, muitas vezes lidando com a dispersão de sua própria imagem em fragmentos de espelhos, com os quais interagia nessas performances. Assim, construía um dos trabalhos mais originais de sua geração, numa interseção entre bodyart, performance e filme experimental.
Os trabalhos dessa fase inicial da carreira da artista são o foco da exposição Iole de Freitas, anos 1970/ Imagem como presença, no Paço Imperial, a partir do dia 02 de dezembro, com curadoria de Sônia Salzstein. A mostra, que tem assistência de curadoria do pesquisador Leonardo Nones, traz uma seleção de 18 sequências fotográficas, nove filmes e três instalações, sendo a maior parte pouco conhecida ou até mesmo inédita para o público brasileiro. No Paço, a mostra ocupa metade do primeiro andar, além de uma sala documental, com originais e fac-símiles. Vale lembrar que a instituição já conta com uma escultura da artista que está localizada no mesmo pavimento ocupado pela exposição.
Sobre o período abarcado pela mostra, a curadora comenta: “A radicalidade do debate político europeu da época coincidia com as primeiras experiências da arte conceitual e da bodyart e com manifestações em que os afetos e as vulnerabilidades do corpo do artista eram questões cruciais. A década de 1970 testemunha a vibrante presença de Iole e, em geral, de artistas mulheres no circuito de arte mais arrojado do período e, não por acaso, ela comparecia em exposições ao lado de outras artistas pioneiras na exploração da imagem fílmica em seus trabalhos.”
Entre as obras presentes, está a série fotográfica Spectro (1972), composta por três imagens da artista, tomadas por ela mesma em ambientes domésticos, como o interior de sua casa ou ateliê. As fotografias mostram Iole a partir de diferentes ângulos, numa investigação dos gestos e formas de um corpo que parece se recusar a ser enquadrado ou domesticado pela câmera, e que interroga múltiplas possibilidades de autorrepresentação.
Os temas da luz, da leveza e da transparência, presentes em Spectro, também aparecem nas séries Jump to the Other Sideand Win a Red Kimono (1973), na qual a imagem de Iole é capturada no reflexo de uma janela, e Roots (1973), que registra os pés da artista.
Outro destaque é a série Glass Pieces, Life Slices (1975), apresentada na Bienal de Paris. Nas fotografias, a artista interage com espelhos e objetos que, assim como a câmera, capturam e cortam sua imagem, num jogo de representações que revelam e ao mesmo tempo escondem a figura da artista.
Os filmes Elements (1972), Light Work (1972) e Exit (1973), registrados em super-8, também fazem parte da exposição. A poética do corpo é o cerne desses trabalhos, como pontua Salzstein: “Os versáteis aparelhos super-8, então saudados por artistas por sua leveza e mobilidade, eram experimentados por Iole como extensões de seu corpo, e marcavam o surgimento de uma série de registros audiovisuais dos quais seu corpo emergia potencializado e envolvente, em fragmentos múltiplos, mediante uma linguagem da luz e da presença. Junto à exploração da imagem em movimento, que lhe permitia adentrar espaços densos e complexos, atravessados por sombras e reflexos, Iole lançou-se, ao longo daqueles anos, ao registro fotográfico do próprio corpo, sempre interrogando um mais além, em performances despojadas, silenciosas, sem audiência, nas quais frequentemente é possível flagrar o ato da artista acionando o disparador do aparelho fotográfico.”
Foram reconstituídas três instalações para a mostra: Glass Pieces, Life Slices, originalmente apresentada na Galeria Giancarlo Bocchi (Milão), em 1976; EXIT, obra realizada para a individual da artista na Galeria Marconi (Milão), em 1977; e, por fim, Cacos de vidro, fatias de vida, que explora projeções de slides da série Glass Pieces, Life Slices sobre lâminas de vidro, remetendo ao trabalho dedicado à 16a Bienal de São Paulo, de 1981.
Ao reunir a produção de Iole da década de 1970, a exposição evidencia a potência dessas obras que, vistas sob a luz dos debates contemporâneos, continuam suscitando novas questões e perspectivas. Ao visitar a exposição, o público pode conhecer um período central na trajetória da artista, no qual ela começa a explorar temas como o movimento e a transparência, que viriam marcar toda asua obra posterior.
Catálogo —O catálogo da exposição, lançado pelo Instituto Moreira Salles, traz, além do registro dos trabalhos presentes na mostra e do ensaio da curadora, textos dos ensaístas Eucanaã Ferraz e Paulo Venancio, produzidos especialmente para a publicação. Reúne, também, uma coletânea de ensaios de época, alguns deles inéditos em versão brasileira, de diversos autores, entre eles renomadas críticas feministas que propuseram abordagens instigantes do trabalho de Iole, como Annemarie Sauzeau-Boetti, Barbara Radice, Lea Vergine e Lucy Lippard.
Nascida em Belo Horizonte (MG), em 1945, Iole de Freitas mudou-se aos seis anos para o Rio de Janeiro, onde iniciou sua formação em dança contemporânea. Estudou na Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), cidade em que hoje vive e trabalha. A partir de 1970, viveu por oito anos em Milão, onde começou a desenvolver e expor seu trabalho em artes plásticas a partir de 1973. A artista participou de importantes mostras internacionais, como a 9ª Bienal de Paris, a 16ª Bienal de São Paulo, a 5ª Bienal do Mercosul e a Documenta 12, em Kassel, Alemanha. Além de comparecerem a individuais e coletivas em várias cidades do mundo, seus trabalhos integram importantes coleções, entre as quais, Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP); Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP); Museu de Arte Contemporânea de Niterói; Museu Nacional de Belas Artes, RJ; Museu do Açude, RJ; Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio); Museu de Arte do Rio (MAR); BronxMuseum (EUA); Winnipeg ArtGallery (Canadá); e DarosCollection (Suíça).
. Exposição Iole de Freitas, anos 1970/Imagem como presença, com abertura no dia 02 de dezembro de 2023(sábado), das 12 às 18 horas, e segue para visitação até 24 de março de 2024, no Paço Imperial, na Praça XV de novembro, 48, Centro – Rio de Janeiro (RJ). Entrada gratuita. O Paço Imperial funciona de terça a domingo e feriados (exceto segundas), das 12 às 18 horas, e estará fechado nos dias 24, 25 e 31 de dezembro de 2023 e no dia 1º de janeiro de 2024.