Já faz algum tempo que o setor de shopping centers apresenta um gargalo preocupante a ser administrado, que cuida do alto custo dos encargos locatícios suportados pelos lojistas lá instalados. Como regra, além do aluguel (mínimo, percentual e em dobro em dezembro), o lojista arca com as despesas referentes aos encargos comuns (verba que tem natureza condominial), fundo de promoção e encargos específicos (água, energia, ar-condicionado, IPTU etc.), todos representativos.
Do ponto de vista dos comerciantes, as queixas são diversas sobre o tema, especialmente, no que tange ao elevado desembolso com os encargos, além de reclamações acerca da pouca eficiência e transparência na gestão das contas, lembrando que os lojistas, na qualidade locatários, têm o direito e pleitear a completa prestação de contas todas as verbas que lhe são exigidas.
Não é surpresa nos depararmos com lojas cujos valores de encargos comuns/condomínio são maiores que o aluguel, bem como negociações entre lojistas e empreendedores que delimitam um percentual sobre o faturamento a título de ocupação total, porém com a garantia do pagamento dos encargos comuns.
Partindo-se da ideia de que a legislação é omissa quanto as regras envolvendo o rateio condominial entre os lojistas instalados em shopping centers, não há dúvida que deve ser observado o princípio da isonomia, quando da determinação dos coeficientes de rateio das lojas, ou seja, deve ser dado um tratamento igualitário entre os lojistas, a fim de que, cada um, suporte, proporcionalmente, o que gera de despesa, sendo essa a expectativa dos comerciantes quando adentram nos empreendimentos.
Depois da celebração da avença, é conferido ao locatário o direito de obter do locador a completa prestação de contas das despesas cobradas, com o fito de verificar a regularidade da cobrança e a aplicação das verbas arrecadadas. Conforme o artigo 550 do Código de Processo Civil o autor da ação deverá especificar, de forma detalhada, as razões pelas quais exige as contas, ou seja, neste item interessante os lojistas, principalmente aqueles integrantes de redes, compararem as quantias cobradas pelos shoppings com o mesmo perfil. Notando-se discrepância nos lançamentos, cumpre ao inquilino buscar os devidos esclarecimentos junto à administração do centro de compras, inclusive para sanar eventual falha na apuração do valor lançado.
No que tange ao prazo prescricional da ação de exigir de contas nestes moldes, até pouco tempo atrás, era entendido, quase de forma unânime, ser de 10 anos. Isto é, o lojista ingressava como a ação e poderia pleitear retroativamente a análise das contas de até 10 anos atrás contados da distribuição da ação.
Recentemente (maio/2023), o STJ proferiu uma decisão em sede agravo em recurso especial nº 2205835 – RJ (2022/0284149-4) – relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, na qual foi determinada a prescrição de 03 anos, ficando no caso vencido o lojista neste ponto. O r. acórdão seguiu a “jurisprudência atual” da Corte “no sentido de que, havendo prazo prescricional específico para a cobrança de uma eventual diferença apurada na prestação de contas, tal prazo dever ser aplicado à ação de exigir contas”. Como no caso o prazo prescricional para a cobrança de aluguéis é de 03 anos (artigo 206, par. 3º, inciso I do Código Civil), os Ministros entenderem que este é o tempo a ser observado.
Com todo o respeito, não é possível inferir que houve uma mudança da corrente jurisprudencial do STJ sobre tema, uma vez que jurisprudência se caracteriza como a existência de reiterados julgados no mesmo sentido, ou seja, o que se apresenta na situação concreta é 01 precedente contrário e, frise-se, de caso não análogo que tratava de prestação de contas para fins de apuração de dividendos (por exemplo, em setembro de 2022 a TERCEIRA TURMA – REsp 2.003.209/PR, julgou caso idêntico e fixou em 10 anos o prazo prescricional – no mesmo sentido: AgInt no REsp 1.609.051/SC, 1ª Turma, DJe 10/06/2022; AgInt no AREsp 1.853.015/PR, 3ª Turma, DJe 21/02/2022; AgInt no REsp 1.924.285/RJ, 3ª Turma, DJe 21/02/2022; AgInt nos EDcl no REsp 1.952.570/PR, 3ª Turma, DJe 09/12/2021; AgInt no REsp 1.809.429/PR, 3ª Turma, DJe 29/10/2020; AgInt no REsp 1.705.948/SC, 3ª Turma, DJe 02/10/2018; AgInt no AREsp 1.024.305/RS, 4ª Turma, DJe 13/06/2017).
Ora, como não existe no ordenamento jurídico prazo prescricional específico, bem como em vista na natureza pessoal da demanda, deve incidir a regra geral (10 anos) do artigo 205 do Código Civil.
Mesmo que se admita uma interpretação extensiva acerca da prescrição em ações de exigir contas à luz dos argumentos trazidos no recente julgado do STJ de maio de 2023, não é razoável segui-la para os litígios envolvendo shopping centers. Considerando o alto volume e grande complexidade na gestão dos encargos locatícios em centros de compras, vale ressaltar que, na prática, os lojistas não têm acesso às informações mínimas que lhes permitam averiguar eventuais cobranças irregulares. Isto é, a partir do referido precedente de maio de 2023 do STJ, todos deverão, a partir de agora, a cada triênio, ajuizar demandas de prestação de contas, sob pena de manifesto prejuízo, o que se monstra totalmente inviável do ponto de vista econômico e restringe o amplo acesso à Justiça previsto na Constituição Federal.
. Por: Daniel Cerveira, advogado, sócio do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Advogados Associados. Pós-Graduado em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV/SP). Pós-Graduado em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Consultor Jurídico do Sindilojas-SP. Autor dos livros “Shopping Centers – Limites na liberdade de contratar”, São Paulo, 2011, Editora Saraiva, e “Franchising”, São Paulo, 2021, Editora Thomson Reuters Revista dos Tribunais, na qualidade de colaborador. Atuou como Professor de Pós-Graduação em Direito Imobiliário do Instituto de Direito da PUC/RJ, MBA em Gestão em Franquias e Negócios do Varejo da FIA – Fundação de Instituto de Administração e Pós-Graduação em Direito Empresarial da Universidade Presbiteriana Mackenzie.