Formou-se uma visão coletiva de que os próximos meses serão melhores do que se previa no País e na economia pela combinação de fatores que tendem a impulsionar o consumo, o comércio e o varejo. E é o tipo de previsão autorrealizável, pois seu positivismo tem a virtude de torná-la real.
Os elementos que sustentam essa percepção envolvem a redução dos índices de inflação, em especial em alimentação, redução das taxas de juros, liberação de linhas de crédito às famílias e mais a real perspectiva de redução dos índices de inadimplência pelos programas de renegociação, além do aumento da renda real das famílias e a queda do desemprego.
É quase uma combinação virtuosa de fatores em benefício do consumo, das vendas do varejo e do comércio de forma geral.
A virtude maior dessa combinação é seu efeito no emprego dos setores de comércio e varejo, os maiores empregadores privados do País, com 11,3 milhões de funcionários formais quando somados com o foodservice, (dados de junho de 2023), representando 26% do total dos empregos formais do Brasil.
Outro impacto importante é na indústria local que abastece o comércio e o varejo, impulsionando o emprego e o aumento da renda nesse setor. Além do setor financeiro, por meio do crédito às famílias para o consumo, apesar das naturais preocupações com a inadimplência.
Quase que uma cadeia virtuosa de benefícios a partir da melhoria das perspectivas observadas nesses setores e depois de realizados os ajustes que o pós-pandemia impôs a todas as economias.
Como resultado do processo evolutivo que já vinha sendo observado no Brasil e que foi acelerado pelas transformações precipitadas pela pandemia e seus ajustes estruturais, emerge um varejo e comércio estruturalmente diversos do que tínhamos anteriormente e que nominamos a era do “Back to the Future”.
Eis os 17 pontos que marcam o varejo e o comércio nesse ciclo emergente no Brasil, parte deles espelhada na realidade global, parte derivada das características locais.
1. Aumento do nível de competitividade, dos custos e da pressão sobre a rentabilidade — É um processo histórico, porém agravado pelo aumento dos custos operacionais, de mão de obra e o aumento da oferta de players, canais, categorias, marcas e modelos de negócios e a pressão representada pela ação de grupos internacionais atuando no mercado brasileiro em situação desigual de competição.
A combinação do aumento da oferta com a pressão de custos resulta em crescente pressão sobre a rentabilidade, que será fator constante na realidade presente e futura.
2. Menor crescimento no índice de crescimento na venda dos canais digitais mas aumento na participação nas vendas totais do varejo — No cenário da pandemia tivemos um salto nos índices de crescimento das vendas digitais. Esse indicador continuará a evoluir, em percentual menor do que no passado recente, porém aumentando sua participação nas vendas totais de cada categoria de produtos e serviços. Como estimativa geral, pode-se considerar que os atuais níveis possam dobrar em termos de participação nos próximos dez anos, variando por categoria de produto.
3. Aumento da participação de soluções e serviços no negócio do varejo — É um processo irreversível, pois o aumento da maturidade de uma economia e de um mercado significa o aumento da participação dos dispêndios com serviços e soluções (combinação de produtos e mais serviços) no conjunto das despesas familiares.
Nas economias mais maduras, o setor de serviços significa em média 68% do PIB desses países e, como referência, no Brasil esse índice é de 54% e está em processo consistente de crescimento envolvendo dispêndios com educação, lazer, viagens, alimentação, entretenimento, saúde e muitos mais.
Isso significa, na prática, que irá haver mais crescimento e menor pressão na rentabilidade quando se combinam produtos e mais serviços nos negócios de forma geral e aumenta a competitividade na vertente dos produtos mais comoditizados.
4. Aumento da participação da indústria nas vendas diretas aos consumidores — Combinação também de pelo menos dois vetores fundamentais que envolvem a importância da conexão direta com os consumidores e a desintermediação como processo natural ante o crescimento da pressão competitiva.
E que amadurece como processo, pois, além de chegar ao consumidor final oferecendo seus produtos e marcas diretamente, também oferecem a combinação de produtos com serviços, como tem sido feito em alimentação, bebidas, lavanderias e muitos mais, diferenciando e estabelecendo outros parâmetros de referência para os consumidores.
5. Crescimento da participação das marcas próprias nos negócios do varejo — Como forma de diferenciar e, principalmente, buscar alternativas para melhorar a rentabilidade, o varejo de forma geral tem trabalhado na revisão dos modelos de negócios, aumentando a oferta de marcas próprias em suas atividades.
Desta forma, assume mudanças importantes em seu modelo de negócio, atuando no mercado interno e externo para se abastecer em condições de poder oferecer uma maior variedade em diferentes faixas de preços e fazendo melhor uso de seu nível, qualidade e atualidade de informações sobre o comportamento, atitude e desejos dos consumidores.
6. Multiplicação de canais de vendas e relacionamento — O avanço mais rápido da tecnologia e as mudanças impostas por um consumidor ainda mais empoderado pela conexão social digital geram muitas oportunidades e algumas ameaças para todos os negócios, em especial aqueles que estão diretamente conectados aos seus clientes finais. Como resultado, foram desenvolvidas e ampliadas alternativas de relacionamento, multiplicando possibilidades para que a conexão possa acontecer quando, onde e como for possível na ótica desse consumidor.
O resultado é a necessidade de desenvolver e operar de forma competente mais canais de relacionamento, multiplicando alternativas, como os ecossistemas e as corporações têm feito, ampliando a vantagem competitiva dessas organizações.
7. Reconfiguração da oferta, acesso e operação dos centros comerciais planejados — Poucos setores viveram transformações tão intensas em seu modelo de negócio como os centros comerciais planejados, que incluem os shoppings centers, os malls, strip centers, power centers e todos os demais.
O crescimento da participação do comércio eletrônico, o maior volume de dispêndios com serviços e a expansão dos conceitos ligados à conveniência, além a reconfiguração da geografia do consumo pela consolidação do home office, geraram impacto dramático em todo o negócio dos centros comerciais. Eles continuarão se reposicionando em busca de um novo modelo de atuação em que serviços, entretenimento, lazer e experiência ampliam sua participação em detrimento da comercialização básica de produtos.
8. Crescimento da importância relativa do valor e conveniência na polarização do varejo — O conjunto das transformações recentes de mercado no mundo e no Brasil fizeram crescer de forma marcante os vetores de valor e conveniência, nas suas mais diferentes formas na visão da polarização do varejo.
O crescimento do vetor de valor está diretamente ligado aos temas que envolvem a inflação global e a perda de poder aquisitivo, com características próprias no Brasil, além do empoderamento e acesso para decisões mais racionais por causa do crescimento do digital.
No vetor conveniência, o processo está ligado à reconfiguração do emprego presencial e mais tudo que envolva uma sensibilidade maior com a questão do tempo pelos consumidores-cidadãos, a partir da percepção de que não conseguimos ampliar o elemento finito do tempo.
9. Aumento da participação no uso dos meios de pagamentos digitais — Esse é um tema que o Brasil se tornou benchmarking global pela implantação exitosa do Pix, que é usado por perto de 138 milhões de pessoas físicas por aqui. Somadas as pessoas jurídicas, o número se aproxima de 150 milhões de usuários.
E o processo tenderá a continuar evoluindo e em breve novas modalidades e alternativas surgirão, impondo desafios adicionais para os cartões de crédito e débito, que perderam e perderão participação como meios de pagamento e, de outro lado, abrindo novas oportunidades para o varejo e o setor financeiro.
10. Aumento da participação dos ecossistemas globais no mercado brasileiro — A atratividade que representa um país de 203 milhões de habitantes, com idade média de 33 anos, ainda uma das mais jovens do mundo, com o avanço das alternativas cross-border para varejo e indústria, fazem com que cresça a presença de marcas e conceitos internacionais no mercado brasileiro, com operações diretas físicas, mas também, e principalmente, digitais, criando mais alternativas para o consumidor local e também contribuindo para o aumento do nível de competitividade.
11. Maior integração estrutural e estratégica entre indústria fornecedora e operadores no varejo e no comércio — O cenário mais competitivo e os desafios que significam um mercado mais volátil e em constante e rápida evolução devem precipitar uma maior integração entre indústrias de consumo, serviços e comércio e varejo, em busca de alternativas comuns para enfrentar um quadro ainda mais desafiador.
Ainda que indústria avance para o varejo com sua distribuição direta e o varejo avance nas marcas próprias, o caminho da integração estará sendo mais desenvolvido em áreas como logística, operações, informações e inteligência.
12. Aumento do grau de concentração no varejo brasileiro — Como consequência do inevitável quadro de aumento da competitividade e pressão sobre rentabilidade, haverá um aumento do grau de concentração no varejo brasileiro, com maior participação no todo dos negócios pelos cinco maiores operadores.
13. Exponenciação do poder digital no comércio e no consumo — Como em todas as demais áreas de atividades, a vertente digital dos negócios no varejo e no consumo só tenderá a aumentar, seja no crescimento do comércio eletrônico, seja nas alternativas que conciliem o digital e o físico nos pontos de vendas e nos centros comerciais.
Tanto do lado da experiência, valor e conveniência para o consumidor, quanto na inevitável busca de melhoria de eficiência e produtividade, o digital tem e terá papel cada vez mais protagonista.
14. Reconfiguração da geografia do potencial de consumo no mercado brasileiro — Como resultado do crescimento das vertentes valor e conveniência e a reconfiguração do emprego tradicional ou pessoal em todos os modelos de negócios, associados com os programas de investimentos governamentais ou privados, já ocorre uma mudança forte na geografia do potencial de consumo com mudança de índices por regiões.
Isso ocorre no plano macro, envolvendo regiões, Estados e municípios, mas também em âmbito micro nos bairros e vizinhanças que criam uma nova realidade que pode ser medida de forma antecipada pela projeção do comportamento futuro, rebalanceando o que ocorreu no passado recente.
15. Potencial aumento da informalidade no comércio e no varejo — O aumento dos instrumentos de controle e monitoramento da economia deveriam, em tese, reduzir o grau de informalidade nos diversos setores e em especial no comércio e no varejo. Em tese.
Na prática e na perspectiva de curto e médio prazo, muito vai depender do que ocorrerá na reforma tributária, que, apesar na proposta de simplificação, indutora da formalização, poderá ter efeito contrário, aumentando a informalidade dependendo do quanto e como pretender taxar setores econômicos, especialmente os serviços de forma geral e em especial o comércio e o varejo.
16. Aceleração da transformação digital no comércio e varejo pela incorporação de IA como fator de melhoria da experiência do consumidor e aumento da produtividade
O horizonte de oportunidades criado pelo avanço do uso da Inteligência Artificial em todos os setores da atividade humana, com todas as cautelas que o tema merece, tem no varejo e no consumo um campo muito fértil para rápida e extensiva implantação em benefício da experiência, conveniência e valor para o consumidor além das importantes contribuições para melhoria inevitável de eficiência e produtividade para enfrentar o aumento da competitividade.
17. Ampliação dos desafios envolvendo gestão de pessoas no comércio e no varejo — Os setores de hospitalidade e varejo foram os mais afetados pelo processo de transformação do emprego no mundo por conta do número elevado de horas e dias de dedicação, pelo crescimento do e-commerce e pela necessidade de reconfiguração de instrumentos, práticas, relacionamento, experiência e conhecimento precipitados pela evolução da tecnologia e do digital nesse universo.
A nova realidade pressupõe o desenvolvimento de alternativas que motivem o interesse pela evolução profissional nessa área, que tem a seu favor o contato direto com os consumidores finais que estão e estarão no epicentro de tudo, o que por si só é uma escola de comportamento empresarial.
Alguns desses fatores poderão ter um comportamento distinto do que aqui consideramos pela alteração nas perspectivas do cenário atual, em especial pelo que possa acontecer na reforma tributária, na reforma administrativa e nas preocupantes iniciativas ligadas à revisão de aspectos consolidados na reforma trabalhista definida em 2017.
Mas, em linhas gerais, esses elementos deverão configurar a realidade emergente do varejo, do comércio e do consumo na era do “Back to the Future”, com todas as implicações que poderão ser geradas nos principais atores nacionais e internacionais operando nesses setores.
Vale refletir, considerar e avaliar impactos em cada negócio, canal, formato, categoria e modelo de negócio desses elementos, dimensionando aspectos negativos e positivos e, acima de tudo, como conviver com essa realidade emergente na era “Back to the Future”.
. Por: Marcos Gouvêa de Souza, fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem, com 18 empresas, 40 sócios e 350 colaboradores e 35 anos de atuação no mercado nacional e internacional. É membro do Conselho do IDV – Instituto para o Desenvolvimento do Varejo, do IFB – Instituto Food Service Brasil, do Ebeltoft Group, aliança global de consultorias especializadas em varejo presente em 25 países e do Conselho de Administração da BFFC/Bob’s. É também Presidente do Lide Comércio.