O aprofundamento democrático experimentado pelo Brasil está registrado também na consistência de caminhos profícuos para a mulher. Dizem que uma democracia nunca está pronta e experimenta inovação contínua. O projeto neoliberal brasileiro tem uma agenda misógina. Experimentamos fenômenos micropolíticos, como situações colossais que testam a flexibilidade e a elasticidade do regime. Decisões recentes do Supremo Tribunal Federal tem sido o centro da discussão sobre déficit democrático.
O movimento feminista, que busca a igualdade de gênero, racial e respeito aos direitos humanos encontrou espaço, mesmo no meio desse momento delicado, através da busca da defesa dos direitos sociais e da liberdade e vem colhendo frutos dessa persistência em torno de diversidade, diferenças, enfrentamento à violência de gênero e justiça.
Como movimento político e ético o feminismo não é abstração; é ação. A sua historiografia é um legado que temos que incorporar. Seja na revolução francesa quando a condição de opressão que viviam as mulheres se conectou com o contexto social e político e o iluminismo, seja na Inglaterra do século XIX, ou no ano de 1968 quando a França e os Estados Unidos viveram momentos de enorme ebulição política e cultural; a mulher sempre buscou a revisão de sua condição. O que aconteceu nos Estados Unidos foi muito mais do que a visão distópica que rebaixou o que lá ocorreu, à simples queima dos sutiãs de mulheres brancas, de classe média.
O protesto americano tinha uma feição anticapitalista, antirracista e antimilitarista e contou com a participação de feministas negras, inclusive com Florence Kennedy, advogada do então Panteras Negras.
O feminismo seguiu se reinventando e deixando para traz aquela marca clássica de guerrilha com o macho ele passa, de modo interseccional para um lugar mais desafiador. Faz pontes com o sexo oposto. A mulher sai da posição de vítima, de um lugar de ressentimento e através da percepção da dinâmica da vida se torna protagonista de um movimento ético, coletivo, consistente que nada tem de histérico e belicoso. Estamos escrevendo livros. Fazendo agendas. Provocamos reformas legais, ocupamos milhares de vagas de trabalho. A Lei Maria da Penha é um marco. Uma dissolução de muitas formas de poder e subjugação à mulher. E tudo isso, revela que o movimento não é neurótico, nem fútil e que vem produzindo uma sociedade que se supera no acolhimento das reivindicações feministas.
A democracia tem feito grandes colisões com a mulher brasileira, sujeito sensível do feminismo, abrindo portas onde havia paredes, desconfinando a mulher. Em nome da homogeneização dos cidadãos, as respostas estão justamente na possibilidade de “diálogo “dentro da democracia.
Passamos a participar de um discurso que realmente deixou de semiótico e metafórico, quando por exemplo passamos a rejeitar o mantra “lugar de mulher é onde ela quiser”, para o uso de atuações contundentes e menos alienadas. Quando saímos do privado para o coletivo, porque na política, conseguimos constelar.
O debate democrático é infinito. As suas agendas feministas também. É por isso mesmo que uma democracia nunca pode estar pronta, já que o fato social exige marteladas. O baile sempre segue.
O debate sobre a desigualdade salarial é um avanço na luta da mulher brasileira. A nova lei prevê que é obrigatória igualdade de salário de critérios remuneratório entre homens e mulheres para realização de trabalho, valor igual, um exercício da mesma função. Sem dúvida uma contraofensiva à misoginia e uma demarcação política.
Norberto Bobbio, afirmava que apatia política dos cidadãos compromete o futuro da democracia. A recomposição e os alinhamentos feitos com as mulheres mostram que há investimentos na esfera da sua participação cívica, seja porque certas franjas da população feminina foram alvo de políticas públicas consistentes, seja pelo aumento das mulheres no espaço de poder, incorporação da perspectiva de gênero nesses espaços e no esforço colossal do Executivo, Legislativo e Judiciário, de reduzir a vulnerabilidade da mulher.
A Lei da Penha é um desses marcos. O Ipea, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada mostra que o Instituto evitou milhares de casos de violência doméstica no país, coibindo a violência de gênero. Como protagonistas temos que olhar para o que foi feito para o empoderamento da mulher e as condições de sua segurança sendo óbvio que a Lei Maria da Penha propiciou engajamento que diminuiu a violência contra mulher ainda que seja um desafio conter o feminicídio.
Tudo isso reforça a cultura democrática compartilhada com a mulher e o que o Brasil vem reduzindo certas desatenções. O ethos desses esforços democráticos revelam grandes alinhamentos com a mulher enquanto sujeita – autora- cidadã.
O debate sobre a desigualdade salarial é sem dúvida um avanço na luta da mulher brasileira. A nova lei prevê que é obrigatória a igualdade de salário, de critérios remuneratório entre homens e mulheres, para realização de trabalho de igual valor e de um exercício da mesma função é uma contraofensiva à misoginia. Uma demarcação social e política, mas antes de tudo resposta concreta ao discurso da diferença.
. Por: Maria Inês Vasconcelos, advogada Constitucionalista, pesquisadora e palestrante